domingo, 10 de março de 2013

Historinhas de palco

Não sei bem em que ponto do plantão de hoje a conversa descambou para o ballet. Foi um horário relativamente tranquilo, no final da manhã. Todas as presentes haviam feito alguma aula de ballet na sua vida, invariavelmente na infância. Eu não. Eu comecei tarde, já na adolescência. Me apaixonei pela dança ao ver a Alessandra Ferri no papel de Gisele.
Há alguns (muitos) anos, fazia ballet de uma maneira relativamente séria. Nunca fui profissional, mas cheguei perto. Lá pela metade da faculdade, cheguei a cogitar trancar o semestre para poder dançar no circo. Não  tinha muito glamour. Era um circo meio decadente, com grandes bichos judiados e uns palhaços mal-humorados. Fiz a audição e passei. Mas não tive coragem. E não gostei dos bichos enjaulados. Mas dancei muito na vida. Houve épocas em que dançávamos quase todos os finais de semana. E, quando alguma senhora descobria que eu fazia ballet, logo dizia:
- Minha neta também, já é formada! - sempre com muito orgulho.
Ora, qualquer pessoa com o menor conhecimento sobre dança sabe que ninguém "se forma" no ballet. Se formar é terminar um curso. Terminar significa não ir mais. Se um bailarino pára de frequentar as aulas de ballet, ele instantaneamente deixa de ser um bailarino. Torna-se um aposentado. Mais ou menos minha situação atual. (Acho que finalmente "me formei")
Voltando às priscas eras, eu ia na faculdade, fazia todas as atividades curriculares e extra-curriculares, monitorias, pesquisa, extensão, etc. E então, havia o ballet. Eu fazia duas horas de aula seis vezes por semana. Mais ensaios. Todo dia. E aí, dançávamos. Dancei em escola, em associação de bairro, em hospício, na plataforma do metrô, no meio do asfalto, em galpão crioulo. E até em teatro. Muitas e muitas vezes. Acho que a vez em que eu mais ri foi numa escola. Era uma turma noturna de uma escola estadual. e deveríamos dançar Diana et Actéon. Para quem não conhece, um ballet baseado em um mito grego, em que um jovem caçador surpreende a deusa Diana e suas ninfetas a refestelarem-se nuas em um lago. Furiosa, Diana transforma o caçador em um cervo (um veado, literalmente).
Chegamos na escola, que tinha uma miniatura de palco no auditório, com uma ultra inclinação. O palco era uma ladeira. Acho que o arquiteto pensou que iriam encenar óperas. Usamos uma sala ao lado para as trocas de roupa, lógico que não havia camarins. E havia vários alunos tentando espiar as bailarinas trocando de roupa.
A fama de bailarinos do sexo masculino entre adolescentes do curso noturno da escola estadual, que nunca tinham visto um ballet na vida, não era exatamente de virilidade. Eles todos muito agitados com esse negócio de ballet, achando que só iam ver menina com pouca roupa dançando (esses eram os comentários que ouvíamos das coxias). Daí começa. Um silêncio relativo, entre cochichos e risos, hormônios palpáveis no ar. Entra a música. Entravam as oito meninas do corpo de baile, duas a duas, entre elas a que vos escreve. E então: tcharam! O solista masculino vestido de caçador grego, com uma tanguinha cor da pele, torso nu e umas sandálias faz sua entrada triunfal. Parecia a roupinha do Bam Bam dos Flinstones. Gargalhada espontânea e generalizada. Incluindo os professores da escola e, lógico, nós. Não dava para evitar, era contagiante. Deveríamos ficar com cara de paisagem, no nosso outfit de ninfeta. Mas não se escutava nem a música, de tanto que riam. Não tinha concentração que aguentasse. Terminado o negócio, a professora, furiosa, tentava passar lição de moral:
- Faltou profissionalismo!
E três de nós respondemos em coro:
- Mas nós não somos profissionais!
Ela não achou a menor graça. Juntamos as muafas e entramos nas Kombis da prefeitura, que nos levaram de volta à escola de ballet. Na Kombi da profe, todos sérios. Na nossa, a Kombi do "B", ríamos tanto que até o motorista ria junto, mesmo sem saber do quê.
Faltou profissionalismo, mas sobrou diversão. Para a platéia e para nós. Ballet não é entretenimento? Todos nos divertimos muito. Menos a profe, coitadinha.