sexta-feira, 12 de julho de 2013

Colcha Geriátrica

Há cerca de dez anos, fui morar sozinha. Saí da casa da minha mãe e fui morar em um apartamento genial na Cidade Baixa. Ficava quase na esquina da Lima e Silva com a Perimetral, no meio do fervo. Não era muito barulhento, pois não era de frente. E tinha dois terracinhos adoráveis, um de cada lado. Era o sonho de consumo de qualquer universitária. A Wó Wanda, naquela época, andava meio chateada porque não conseguia mais ir ao supermercado toda a semana, como ela sempre fizera. Os joelhos a incomodavam. Tinha toda a sua lucidez e vontade de fazer coisas preservadas, presas em um corpo que não estava dando conta do recado. Andava com umas de dizer que era uma "velha caduca". A Wó, tendo falecido com 93 anos, nunca ficou velha realmente. Só o corpo dela. E muitíssimo menos caduca! Ora bolas!
Tive, então, a ideia de pedir que ela fizesse uma colcha para a minha cama do apartamento. Ela fazia umas colchas de crochet, daquelas de quadradinhos, lindas. Acho que fez uma para cada neto e para cada filho. Mas já fazia muito tempo que não tentava fazer nada. Pedi para ela, escolhi as cores, e ela topou. Começou a fazer a colcha, trabalhando devagarinho, enquanto assistiam, ela e vô, o Jornal Nacional. Um dia, me mostrou como estava. Aí ela disse:
- Sabes, Bebel, eu sei por que tu me pediste esta colcha. Foi para "ocupar a velhinha". Querias que eu me sentisse útil...
Tentei argumentar que ela tinha zilhões de utilidades utilíssimas, além de ser uma ótima fabricante de colchas. E que eu realmente precisava de uma linda colcha de crochet para o meu novo apartamento.
- Escuta, não faz mal, Bebel. Eu gostei da ideia de fazer essa colcha geriátrica...
Ela fez um bom pedaço da colcha. Um dia, as juntas das mãos e dos ombros também começaram a doer. E aí ela não terminou a colcha.
Arrumando minha velha casa nova, minha sogra, que veio nos dar uma força neste caos de mudança, encontrou um saco com os quadradinhos prontos e todas as lãs necessárias para terminá-la. Me mostrou e perguntou se eu sabia o que era aquilo.
Sim, eu sabia. Meu pequeno imenso tesouro. A colcha geriátrica. Decidi terminá-la. Foi a Wó quem me ensinou a fazer crochet, a fazer tricot e a bordar. A Wó despertou em mim o gosto pelos trabalhos manuais. Vontade eu tinha de fazer só isso o dia todo. Pena que tem que trabalhar. Ocupa o dia todo, esse negócio de trabalho. Depois, tem as filhas, a casa, as caixas da mudança, os restos de obra e outros pepinos nossos de todo o dia. Por isso que o blog, coitadinho, ficou meio abandonado.
Mas a colcha geriátrica foi retomada. Faço uns pontinhos de cada vez. Já chorei de saudade (muita saudade) no dia em que vi os quadradinhos e o pedaço de papel onde a Wó havia feito as contas de quantos quadrados e quantos novelos de cada cor seriam necessários. Agora eu ainda sinto saudade, muita mesmo. Acho que não vai passar. Mas em vez de chorar, faço crochet. Nem que seja para o apartamento de solteira da Joana ou da Luísa.