quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Lovato

Hoje olhei para os olhos grandes e separados da Joana, sempre atentos a tudo, e vi o olhar do seu avô Gabriel. Ela tem, já aos dois anos, um senso de humor subversivo. Sempre me disseram, desde que nasceu, que ela veio a esse mundo sabendo de algo que ainda não descobrimos.
A saudade chegou junto. Olinto Gabriel é fundamentalmente necessário. Não importa quantos anos já tenham se passado, ainda existe uma lacuna. Converso com ele, com minha memória dele. Pergunto o que pensa da conjuntura, das "manifestões" (como diria a Luísa), da violência, do mensalão, do Mais Médicos. Precisava da sua sátira. Da sua maneira politicamente incorreta de encarar a vida. Da sua subversão. Do seu desapego. Acho que é saudade. Só.
Mas sei que sua lucidez bêbada seria (in)conveniente agora. Meu pai era assim, subversivamente inconveniente. E Joana também. Mesmo com dois anos.
O problema é que ainda é meio non-sense conversar com ela sobre toda essa loucura que se apossou do Brasil nos últimos oito meses. Ou será que é tudo coisa da minha cabeça?
Por ora há uma espécie de trégua. O bloqueio atmosférico foi rompido. Chove. Os 40,6 graus viraram amenos 25. A greve dos ônibus acabou. Há um tênue senso de normalidade que paira no ar.
Um dia alguém já escreveu que 1968 foi o ano que não terminou. Estou convencida de que 2014 será lembrado como o ano que nunca começou. Talvez seja uma conjunção de astros que fez possível combinar em um mesmo ano um carnaval em março, copa do mundo e eleições. Fora o calor do Sahel, os 15 dias sem ônibus, jornalista assassinado no centro do Rio, garoto de 15 anos pelado e preso a um poste com uma tranca de bicicleta, as professias de Antônio Gramsci. Esqueci de alguma coisa? Ah, o congelamento de preços (com seu óbvio consequente desabastecimento) na Argentina.
Tudo isso já acontecia no ano passado e eu nem notei, entretida entre três empregos, casa nova, reforma, marido e filhas? Há uma sensação de anormalidade no ar ou é completa paranoia minha? É verdade o editorial da Veja? A Argentina virou a Venezuela e a Venezuela virou o Zimbábue?
Precisamos desesperadamente manter nossa frágil democracia. Aconteça o que acontecer, haverá eleições a cada quatro anos. O Congresso Nacional continuará aberto (o vô dizia que é melhor ter um pulmão doente do que nenhum pulmão...). O Judiciário continuará livre (no Planeta Judiciário, lógico, que é bem longe da Terra e mais longe ainda do Brasil). Nos próximos 200 anos, nos próximos mil anos.
Assim espero. E o Gabriel  também. Pelo bem da Joana. E de toda a sua geração.