quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Tempo (ou a falta dele)

Faz quase meio ano que não consigo escrever. Não por falta de vontade ou inspiração. Mas escrever exige alguma tranquilidade e estar acordada ao mesmo tempo. Nas horas em que tenho tranquilidade, quase sempre estou dormindo. Ou quase.
O que me levou a desenvolver outro hobby que não envolvesse tanta matéria cinzenta e mais cerebelo. Então estou a fazer trabalhinhos. Tive, no início do ano, uma fase de recortar papeizinhos. Uma coisa chamada "arquitetura de origami", que consiste em construir maquetes de grandes monumentos de papel recortado. Construí o Arco do Triunfo, a Casa Branca e a Torre Eiffel. Dá pra levar para o plantão e ficar brincando enquanto está calmo e sem consultas. Daí cansei um pouco e decidi fazer tricô. Rendeu o vestidinho azul da Joana, a capa da Chapeuzinho Vermelho da Luísa e vários pares de meias. Agora me divirto entre o tricô e brinquedinhos de feltro. A seguir, minha pequena "galeria". Ela justifica meu silêncio nos últimos meses. Acho que a solução vai ser postar trabalhinhos e escrever de vez em quando. Sorry!














Em breve, coisinhas de feltro.


segunda-feira, 5 de maio de 2014

Poetinha

Há 20 anos, Mário Quintana pode finalmente deitar de sapatos. Virou poeira ou folha levada do vento da madrugada. Mas jamais um pouco de nada...
O Mário Quintana é aquele sujeito que escreveu umas coisas que eu lia e pensava:
- Como eu queria ter escrito isso, ter pensado isso.
Que bom que ele pensou, escreveu, e eu pude ler.
A Vó Mila morava no Centro, no tempo em que ainda não era o Centro Histórico. Era só o Centro. Da janela da área se serviço, dava pra ver a Praça da Alfândega. Com sorte, o poeta velhinho estava a fazer o ser footing. Adorava a possibilidade de vê-lo. Acho que só aconteceu uma vez, mas ser possível avistar o Mário Quintana era ótimo.
Publico um dos meus favoritos...


De Gramática e de Linguagem

E havia uma gramática que dizia assim:
"Substantivo (concreto) é tudo quanto indica
Pessoa, animal ou cousa: João, sabiá, caneta".
Eu gosto das cousas. As cousas sim !...
As pessoas atrapalham. Estão em toda parte. Multiplicam-se em excesso.

As cousas são quietas. Bastam-se. Não se metem com ninguém.
Uma pedra. Um armário. Um ovo, nem sempre,
Ovo pode estar choco: é inquietante...
As cousas vivem metidas com as suas cousas.
E não exigem nada.
Apenas que não as tirem do lugar onde estão.
E João pode neste mesmo instante vir bater à nossa porta.
Para quê? Não importa: João vem!
E há de estar triste ou alegre, reticente ou falastrão,
Amigo ou adverso...João só será definitivo
Quando esticar a canela. Morre, João...
Mas o bom mesmo, são os adjetivos,
Os puros adjetivos isentos de qualquer objeto.
Verde. Macio. Áspero. Rente. Escuro. luminoso.
Sonoro. Lento. Eu sonho
Com uma linguagem composta unicamente de adjetivos
Como decerto é a linguagem das plantas e dos animais.
Ainda mais:
Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu saibas o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto...

Mario Quintana
(1906-1994)

sábado, 26 de abril de 2014

É um mundo pequeno, apesar de tudo...

Minha cabeça de mamãe está abarrotada. E quase tão desorganizada quanto o bureau do meu escritório. Há escalas de plantões, meu périplo semanal pela grande Porto Alegre (GPA para os íntimos), que horas vou fazer a mão, a última mazela social envolvendo algum curumim de quatro dias de vida, qual o próximo destino na GPA para fechar as contas do fim do mês, fora o pesadelo do imposto de renda. E as roupas das crianças para o inverno, e calças novas para mim, pares de meias para todos, tudo aceleradamente desfilando pelo meu encéfalo. Fora todo o resto.
Mas hoje, parou tudo. Hoje, fomos ver Mickey, Minnie e companhia a deslizar lindamente por uma pista de gelo. Fizemos a gincana, L., a pequena J. e a vovó. E eu, claro. Comprei cadeiras, desta vez, em vez da arquibancada. Numeradas, com encosto. E bem no meio. Incrivelmente, custavam menos. Saí equipada com um Tupperware com biscoitos e chocolate, além de caixinhas de suco, para qualquer eventualidade. As meninas estavam agitadíssimas, não queriam perder um minuto do show. Mas vovó e eu também aproveitamos. Eu, pelo menos, curti cada momento.
O que pode haver de errado em um mundo onde princesas, sereias, peixes e estrelas do mar dançam graciosamente sobre o gelo? Como pode haver maldade em qualquer canto da Terra enquanto um casal de leões desafia a gravidade em saltos e malabarismos mirabolantes? Não houve nenhuma obra da Copa no caminho da minha felicidade. Estavam do lado de fora.
Chamem-me de boboca, de infantil, do que quiserem. Mas foram duas horas em que só existiam a música, a dança e o gelo.
O negócio é bom. É bem feito, coreografias maravilhosas, figurinos deslumbrantes, música linda. E em português. Sabe esses patinadores que vemos nas olimpíadas de inverno? Melhores. Tranquilos e coloridos, pois não é a competição das suas vidas, mas apenas mais um dia de trabalho. Ninguém caiu. Nada deu errado. O cenário funcionou, a luz também. Nenhum incidente. Sem intercorrências. Pura magia. Valeu cada centavo pago, cada segundo.
Também para sentir quatro mãozinhas que me alcançavam enquanto a Wendy cantava aos meninos perdidos o que era uma mamãe.
Essa sou eu. A mamãe de cabeça cheia de coisas, neste momento esvaziada dos problemas e das coisinhas de míope. E cheias de fantasia. E para coroar, perguntei a cada uma, enquanto as colocava na cama, com que iriam sonhar. J. disse:
- Com a brilha, brilha estrelinha. E com borboleta. Vou sonhar com borboletas.
E L. disse:
- Vou sonhar com amanhã. Com as brincadeiras que vamos fazer amanhã.
E eu vou sonhar com a doce infância das minhas crianças. It's a small world after all.

terça-feira, 11 de março de 2014

Quarto vazio

Não, caros leitores, não estou com síndrome do ninho vazio. Meu ninho está bem cheio e assim ficará  por longos e felizes anos. Tampouco meu quarto vazio representa qualquer coisa deprimente. Ao contrário. Meu quarto vazio representa um começo.
Desde que me mudei para minha casa nova bem velha, ainda não consegui arrumar e consertar tudo o que eu quero. Qualquer família que se muda se depara com um cenário parecido. No meu caso, no entanto, há uma junção das coisas da minha família, que não são poucas, com o que ficou na casa e que pertenceu a família anterior. Que também é minha. É muito bacana, de repente, encontrar um objeto inusitado, trivial, que traz na carona uma história, um momento, uma lembrança. Não me refiro às coisas que alguém se preocupa em dividir, como um piano ou relógio, móveis. Meus achados dizem respeito a um papelzinho rasgado de uma ponta de jornal, onde leio, com a letrinha maravilhosa da minha Wó, as datas de aniversário das funcionárias da casa. Ou um armário perfurado por cupins, onde encontro caixinhas de plásticos e latinhas cheias de preguinhos, parafusos, tachinhas e outras miudezas, minuciosamente organizadas e catalogadas pelo vô. Resquícios da oficina de madeiras. A seringa com agulha torta que ele usava para injetar veneno nos buraquinhos dos cupins, na sua batalha eterna contra os insetos.
Ocorre que não posso guardar tudo. Muito menos em uma casa grande como a minha. Ela viraria um depósito de lixo gigante onde, escondidos no meio de quinquilharias inúteis, haveria alguns objetos de valor real, dignos de serem guardados com carinho.
Então comecei a tarefa que deveria ter sido feita antes da reforma: percorrer cada cômodo e decidir o que fica e o que vai. Resolvi começar pelo porão. Pensei que com o porão limpo, poderia usar para armazenar o que é útil, mas está sobrando na casa. Escolhi começar pelo quartinho lá da frente, o que tem duas janelinhas. Lá estava o carrinho de bebê das meninas, com um pneu estragado, azulejos e outras sobras da obra, misturados a um marco de porta comido por cupins (sempre eles!), uma caixa de livros empoeirados, revistas do meu apartamento de solteira e livros de medicina mais desatualizados que uma máquina de datilografia. Caixas com recortes de jornal juntados ao longo dos anos da era pré google. Material para jardinagem, baldinhos de praia quebrados, pedaços de fios elétricos, canos de cobre velhos. Tralha. Cacarecos. Aquelas coisas que ninguém sabe por que ainda não estavam no lixo. Foram ficando, não sei bem por quê.
Levei os azulejos para o depósito embaixo da escada, tirei o pó dos livros bons, empilhei as velharias, varri, varri e varri novamente. Consegui arrastar o marco para outra peça, onde havia outros restos de madeira com cupim, a espera de um destino definitivo (os Mensageiros da Caridade não recolhem madeira com cupim, tampouco o lixeiro), livros na estante sem cupim do quarto ao lado, devidamente limpa e desempoeirada, literatura médica inútil na pilha dos papeleiros, assim como os recortes velhos e aquelas revistas de ideologia e qualidade duvidosa e obsoleta. Salvei umas figurinhas e fotos bonitas para as meninas brincarem de recortes.
Varri, tirei o pó, varri mais um pouco. Carreguei mais azulejos, empilhei mais tralhas junto à "barrica do missionário". Fiz isso da manhã até a tarde. Só parei para almoçar.
Minhas mãos ganharam calos, minhas costas doem, suei tanto que cheguei a tontear. Meu pé ganhou uma bolha, arranhei meu joelho. Espirrei continuamente por uns dez minutos, várias vezes ao dia. Usei minha bombinha de asma umas três vezes. Às seis horas da tarde, hora de buscar as crianças na escola, olhei para o quarto. Vazio. Completamente vazio. Não havia nenhuma aranha, nenhuma asa de inseto, nenhuma traça. Sem pozinho de cupim. Nenhum caixote, caixa, tralha, lixo. Nada. O quarto estava deliciosamente vazio. Pronto para começar uma nova história.














quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Lovato

Hoje olhei para os olhos grandes e separados da Joana, sempre atentos a tudo, e vi o olhar do seu avô Gabriel. Ela tem, já aos dois anos, um senso de humor subversivo. Sempre me disseram, desde que nasceu, que ela veio a esse mundo sabendo de algo que ainda não descobrimos.
A saudade chegou junto. Olinto Gabriel é fundamentalmente necessário. Não importa quantos anos já tenham se passado, ainda existe uma lacuna. Converso com ele, com minha memória dele. Pergunto o que pensa da conjuntura, das "manifestões" (como diria a Luísa), da violência, do mensalão, do Mais Médicos. Precisava da sua sátira. Da sua maneira politicamente incorreta de encarar a vida. Da sua subversão. Do seu desapego. Acho que é saudade. Só.
Mas sei que sua lucidez bêbada seria (in)conveniente agora. Meu pai era assim, subversivamente inconveniente. E Joana também. Mesmo com dois anos.
O problema é que ainda é meio non-sense conversar com ela sobre toda essa loucura que se apossou do Brasil nos últimos oito meses. Ou será que é tudo coisa da minha cabeça?
Por ora há uma espécie de trégua. O bloqueio atmosférico foi rompido. Chove. Os 40,6 graus viraram amenos 25. A greve dos ônibus acabou. Há um tênue senso de normalidade que paira no ar.
Um dia alguém já escreveu que 1968 foi o ano que não terminou. Estou convencida de que 2014 será lembrado como o ano que nunca começou. Talvez seja uma conjunção de astros que fez possível combinar em um mesmo ano um carnaval em março, copa do mundo e eleições. Fora o calor do Sahel, os 15 dias sem ônibus, jornalista assassinado no centro do Rio, garoto de 15 anos pelado e preso a um poste com uma tranca de bicicleta, as professias de Antônio Gramsci. Esqueci de alguma coisa? Ah, o congelamento de preços (com seu óbvio consequente desabastecimento) na Argentina.
Tudo isso já acontecia no ano passado e eu nem notei, entretida entre três empregos, casa nova, reforma, marido e filhas? Há uma sensação de anormalidade no ar ou é completa paranoia minha? É verdade o editorial da Veja? A Argentina virou a Venezuela e a Venezuela virou o Zimbábue?
Precisamos desesperadamente manter nossa frágil democracia. Aconteça o que acontecer, haverá eleições a cada quatro anos. O Congresso Nacional continuará aberto (o vô dizia que é melhor ter um pulmão doente do que nenhum pulmão...). O Judiciário continuará livre (no Planeta Judiciário, lógico, que é bem longe da Terra e mais longe ainda do Brasil). Nos próximos 200 anos, nos próximos mil anos.
Assim espero. E o Gabriel  também. Pelo bem da Joana. E de toda a sua geração.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Hora de dormir

Criei em minhas filhas o hábito delicioso de ouvir histórias e musiquinhas na hora de dormir. Virou ritual. Adoro. Às vezes, quando estão quase dormindo, fico a olhar para seus rostinhos na penumbra e canto qualquer coisa que me acalme. Assim, meus acalantos são pouco ortodoxos e incluem Eduardo e Mônica, a Rosa do Pixinguinha, When I'm Sixty-Four ou qualquer outra música que me dê vontade de cantar na hora.
Mas as favoritas são A História de uma Coca:

"Era uma vez um menino que ia caminhando pelo mato, quando encontrou uma coca. Chegando em casa, deu-a de presente para sua avó, que a preparou e comeu. Mais tarde, sentiu fome o menino, e voltou para buscar a coca cantando uma canção:

Minha vó, me dê minha coca
Coca que o mato me deu
Minha vó comeu minha coca,
Coca re-coca que o mato me deu.

A avó, que já havia comido a coca, deu-lhe um pouco de angu. O menino ficou com raiva, jogou o angu na parede. Depois, arrependeu-se e voltou para tomar o angu:

Parede, me dê meu angu
Angu que minha vó me deu
Minha vó comeu minha coca
Coca re-coca que o mato me deu

A parede já havia comido o angu. Deu-lhe então um pouco de sabão. O menino andou e, no caminho,
encontrou uma lavadeira que lavava roupas sem sabão. Ele disse:
- Você, lavando roupa sem sabão, lavadeira, tome este pra você.
No dia seguinte, ao ver que sua roupa estava suja, voltou para tomar o sabão cantando:

Lavadeira, me dê meu sabão
Sabão que parede me deu
Parede comeu meu angu
Angu que minha vó me deu
Minha vó comeu minha coca
Coca re-coca que o mato me deu

A lavadeira já havia gasto o sabão. Deu-lhe então uma navalha. O menino saiu e pelo caminho encontrou um cesteiro que cortava cipó com os dentes:
- Você, cortando cipó com os dentes? Tome esta navalha para você.
O cesteiro ficou muito contente e aceitou a navalha. Dias depois, ao ver que sua barba estava crescida, arrependeu-se de ter dado a navalha (ele sempre se arrependia de dar as coisas) e voltou, cantando:

Cesteiro, me dê minha navalha
Navalha que a lavadeira me deu
Lavadeira gastou meu sabão
Sabão que parede me deu
Parede comeu meu angu
Angu que minha vó me deu
Minha vó comeu minha coca
Coca re-coca que o mato me deu

O cesteiro havia quebrado a navalha. Deu-lhe em paga um cesto. O menino saiu pensando:
- Que é que eu vou fazer com este cesto?
Pelo caminho, encontrou um padeiro que assava os pães e os colocava no chão e deu-lhe o cesto. Depois, precisou do cesto e voltou para buscar o cesto:

Padeiro, me dê meu cesto
Cesto que o cesteiro me deu
Cesteiro quebrou minha navalha
Navalha que a lavadeira me deu
Lavadeira gastou meu sabão
Sabão que parede me deu
Prede comeu meu angu
Angu que minha vó me deu
Minha vó comeu minha coca
Coca re-coca que o mato me deu

O padeiro havia vendido o cesto junto com os pães. Deu-lhe então um pão. O menino andou, andou e, depois de muito andar, não estando com fome, deu o pão a uma moça que encontrou tomando café puro. Mais tarde, sentiu fome e voltou para tomar o pão:

Moça, me dê meu pão
Pão que padeiro me deu
Padeiro vendeu meu cesto
Cesto que cesteiro me deu
Cesteiro quebrou minha navalha
Navalha que a lavadeira me deu
Lavadeira gastou meu sabão
Sabão que parede me deu
Parede comeu meu angu
Angu que minha vó me deu
Minha vó comeu minha coca
Coca re-coca que o mato me deu

A moça já havia comido o pão e, nada mais tendo para dar, deu-lhe uma viola. O menino ficou contentíssimo. Subiu com a viola em uma árvore e pôs-se a cantar:

De uma coca fiz angu
De angu fiz sabão
De sabão fiz uma navalha
De uma navalha fiz um cesto
De um cesto fiz um pão
De um pão fiz uma viola
Dingue lidingue que eu vou para Angola
Dingue lidingue que eu vou para Angola"

Depois da coca, vem a Menininha, do Vinícius de Moraes. Depois, pode ser Chapeuzinho de Maiô.
Se ainda não dormiu, ela pede a história da Aninha:

"Era uma vez uma moça que se chamava Aninha. Ela era tão linda, que o príncipe decidira casar-se com ela. Os pais de Aninha, porém, por serem pobres e camponeses, não queriam dar a filha em casamento a um príncipe. O príncipe. Então, decide roubar a moça. Fazendo-se de pobre e mendigo, bate à porta da casa dos pais de Aninha:

- Eu vos saudo e peço
Uma esmola, Aninna
Pelo amor de Deus
Me ensine o caminho.

E o pai de Aninha responde:

- Se ele chora e pede
Dê-lhe pão e vinho
Diga a Aninha
Que lhe ensine o caminho

- Eu não quero pão
Eu não quero vinho
Eu só quero Aninha
Que me ensine o caminho.

Aninha, então, mostra o caminho ao cego. A certa altura do caminho, já estando a anoitecer, Aninha canta e o cego responde:

- Passe pra diante, cego
- Passe pra diante, Aninha
- Passe pra diante, cego,
Siga o seu caminho

- Passe pra diante, cego
- Passe pra diante, Aninha
Sou um pobre cego
Não enxergo o caminho

- Já larguei a roca
Já larguei meu linho
Passe pra diante, cego
Siga o seu caminho.

Em uma curva da estrada, os vassalos do rei os aguardavam com uma carruagem toda dourada para levá-los ao castelo real. O príncipe, então, tira as vestes de mendigo:

- Se me fiz de cego
Foi porque queria
Sou filho de rei
Tenho bizarria

Os vassalos do rei, então, embarcam Aninha e o príncipe na carruagem. Aninha canta e chora:

- Adeus, minhas casas
Adeus, minhas moças
Digam a mamãe
Que me vou a força

Ao chegar no castelo, uma linda festa está preparada, com muitas flores, muitos convidados, muitos doces. Eles casaram e viveram felizes para sempre.
E o que foi de vidro, quebrou-se
O que foi de papel, rasgou-se
Entrou por uma porta e saiu por outra
O rei, meu senhor, que lhe conte outra."

Nada de muito politicamente correto, porque não acredito nessas coisas. Eu ouvia essas historinhas cantadas, quando criança, em um LP que continha canções e histórias lembrados por uma costureira do sertão baiano, que tinha, na época da publicação do disco, 97 anos. Além de costurar, ela havia estudado música. Assim, pedia às clientes, enquanto tirava as medidas, que contassem suas histórias de infância e cantigas de roda que lembrassem. Depois, registrava tudo, inclusive as partituras das canções.

Alguém sabe o que é uma coca? E o que é ter bizarria?