quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A Volta

Hoje voltei a trabalhar. Muito bem recebida pelos colegas e pacientes, boa a sensação de fazer algo que eu sei fazer. Eu não sou uma dona de casa muito boa. Gosto de trabalhos manuais, mas é difícil ter tempo para essas coisas com bebê em casa. Ainda mais sabendo que a volta ao trabalho está próxima, querendo curtir cada minutinho com ela.
Trabalho é um mal necessário. Mesmo que fosse milionária, não saberia não trabalhar e só viver de rendas. Talvez por um tempo, não para sempre.
O posto continua mais ou menos o mesmo, as pessoas continuam mais ou menos com os mesmos problemas. Vários bebês nasceram, várias novas gestantes (um número assustador delas, na verdade). Alguns velhinhos morreram, alguns pacientes com câncer morreram. A sala de espera me lembra aquela canção dos Mutantes:
"(...) Mas as pessoas na sala de jantar, essas pessoas na sala de jantar estão ocupadas em nascer e morrer (...)"
O sistema de marcação de consulta melhorou, preciso dizer isso (exceto para traumato/ortopedia, que continua uma tragédia). Porto Alegre continua basicamente alheia ao século 21, sem prontuário eletrônico, escrevendo tudo no papel, pedindo exames no papel, encaminhando pacientes para consulta de especialista no papel (de posse do papel, a pessoa responsável marca a consulta pelo computador, é a maior novidade). Basicamente, continuo gastando no mínimo um terço do meu tempo dentro do posto a preencher papéis. Aqueles imensos fichários de aço com gavetões enormes, repletos de pastas e envelopes meio-que-se-rasgando, organizados por rua. Coisa mais anos 1950 de se enxergar.
Continuamos com os nossos 14 mil pacientes atendidos por 3 equipes incompletas de Saúde da Família e sem agente comunitário. Alguém já viu PSF sem agente comunitário de saúde?
Meu caro colega médico, que ficou sozinho como responsável médico por toda essa gente está vivo e respirando sem ajuda de aparelhos. E trabalhando no posto, porque eu achei que lá pelas tantas ele poderia pedir transferência. Amor à profissão e ao povo do bairro. Também só conseguiu sobreviver graças às enfermeiras competentíssimas que trabalham conosco. Sem elas, o mundo não gira.
E, como diria um antigo comentarista do rádio,
À demain, que eu sigo em frente.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

No último final de semana, Luísa iniciou um grande passo para se tornar uma pessoa: deixar de usar fraldas. Conversei, mostrei o livrinho da Hora do Penico, mostrei todas as calcinhas "de mocinha" e o penico cor-de-rosa que comprei para a casa de Osório. Na sexta-feira, foi dormir de fraldas e, ao acordar, deu adeus a elas. O clima estava quente e seco. E a casa de Osório tem piso frio (eu removi o tapete da sala) e muita área verde ao redor, que não iria sofrer com um xixi orgânico (ou mesmo cocô, que vira adubo). Ilusão achar que ela iria avisar. Na verdade, acho que ela descobriu o que era fazer xixi naquele sábado, o primeiro sem fraldas.
A maravilha tecnológica chamada fralda descartável traz conforto para quem cuida, que economiza horas preciosas, sem falar no espaço (como os moradores de apartamento secavam fraldas de pano no passado?). O bebê está sequinho e aumentam as chances de uma noite de sono, sem ser acordado molhado e gelado. Mas são tão boas e funcionam tão bem, que eles nem sabem que fizeram xixi. E quando chega a hora de aprender que cocozinho bom é cocozinho no vaso, a coisa não é tão simples. Acho que nunca foi, só que antes se gastava menos tempo em literatura sobre o assunto. Li sobre métodos revolucionários que sentam o infante no penico com 6 ou 9 meses. Ou culturas ancestrais que criam seus bebês sem fraldas, seja lá como lidam com a sujeira. Se fosse assim, tão revolucionário, todo mundo tiraria as fraldas antes de um ano e a Pampers iria à falência. A maioria das pessoas sensatas que criaram adultos remotamente saudáveis fizeram a coisa entre 18 e 36 meses, ao menos na nossa cultura ocidental de clima subtropical que usa fraldas (sejam de pano ou descartáveis).

Neste momento, estamos vivendo aquela situação surreal de convencer uma pessoa de 29 meses de que o melhor para ela é sentar no penico. Naquele exato minuto. Bolhas de sabão parecem ter sido o atrativo mais eficiente. Reforço positivo com selinhos, etiquetas e outras quinquilharias não funcionaram tão bem. Fico com a pilha de livrinhos ao lado do penico e as bolhas de sabão. 
Assim, estamos na fase de muitos xixis em todos os lugares e alguns raros dentro do penico. Mas só faz três dias que começou a revolução. Roma não foi construída em um dia. E a perspectiva de não mais comprar fraldas descartáveis (ou diminuir muito o seu número) é um imenso reforço positivo para a mamãe.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Shantala 2

Chegamos a Osório há pouco e já deu para brincar na pracinha com a "aleia banca" e andar de "biciteca" (a minha nova palavra errada favorita é lúminus, que quer dizer números). Depois do carro, da biciteca, de correr e de brincar com os amiguinhos da casa da frente e de jantar depois da hora, Luísa estava meio agitadinha. Decidi tentar a shantala com ela também. No começo ela não quis, dizia:
-Não, faz a "massagei" na Joana.
Então, resolvi fazer a "massagei" na Joana com ela junto. É verdade que a shantala da Joana não teve a mesma paz que no dia de ontem, mas faz parte da brincadeira. Luísa ficou fascinada, olhou tudo e queria massagear também.
- Agora na Luísa - mudou de ideia ao ver a maninha receber tanta atenção.
Entreguei a pequena aos cuidados do papai e comecei a fazer na Luísa. Ela sorria tranquilamente, achou tudo divertidíssimo e, no final, estava piscando os olhinhos de sono. Demos um banho na banheirinha (ela ultimamente vinha tomando no chuveiro) e ela foi dormir sem fazer nenhuma birra e nem um chorinho.
Parece que a shantala será definitivamente incorporada no ritual diário da família. Até o papai, cético no início, está achando bom. E viva a Índia! De novo.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

shantala

Hoje Joana e eu fomos fazer um curso prático de shantala. Para quem não conhece, a shantala é uma técnica indiana de massagem para bebês. Na verdade, é tudo bem simples e bem gostoso. O curso foi uma delícia. Sentamos todas em cima de colchonetes com as pequeninas na nossa frente, deitadinhas (eram três meninas). Também havia duas gestantes fazendo o curso, que praticaram em bonecas.
Uma musiquinha indiana relaxante de fundo, fomos aprendendo passo a passo a massagem nas meninas. Todas se comportaram bem. A Joana era praticamente uma adolescente, com 4 meses, pois as outras duas tinham pouco mais de um mês. Só quando bateu uma fominha a Joana reclamou. E aí, algo lindo aconteceu: ela mamou, dormiu, acordou e ficou bem tranquila. Coloquei-a no carrinho enquanto eu pagava a professora e, quando olhei de novo, ela havia dormido. Sozinha, sem eu fazer nada. Como ela fazia até há algumas semanas. Dormiu mais de 2 horas de um soninho tranquilo.
Isto foi pela manhã. Agora à noite, decidi fazer novamente a massagem. Tocava um especial Maria Gadu e Caetano Veloso no canal de música da net, que eu achei bem propício. Fiz todo o processo, dei banho, amamentei e coloquei-a no berço acordada, mas tranquila. Fui jantar e, novamente, adormeceu sozinha. Pequenos milagres operados por uma boa massagem. Vamos ver como será a madrugada, mas só o fato de ela conseguir relaxar sozinha e não brigar com o sono (que ela vinha sempre fazendo) já valeram cada centavo investido no curso. E a minha mão, apesar de já ter lavado várias vezes, continua com cheirinho de óleo vegetal da Natura Mamãe Bebê.
Salve a Índia!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Bagunça

Não é novidade e provavelmente acontece na vida da maioria. A bagunça é um monstrinho que vai se nutrindo da preguiça, da falta de tempo e das boas intenções. Com criança, a tralha aumenta exponencialmente (e a bagunça, por consequência). Decidi atacar um pedacinho do monstro antes de voltar a trabalhar. Uma daquelas boas intenções que, como um bom vinho, precisa de tempo para amadurecer até se transformarem em algo concreto e bom. Comecei pelo quartinho da área de serviço. É tanta tralha que eu não sei nem por onde começar. Cheguei a escrever para um reality show do GNT, mas sequer responderam meu e-mail. Acho que não sou bagunçada o suficiente. Mas o quartinho me lembra aquele programa que passa na TV a cabo chamado Acumuladores. É assustador o que a gente junta ao longo da vida. Eu tenho a tendência a me apegar às minhas coisinhas. Coisinhas inúteis, mas que estão associadas a alguma memória de algo que ficou para trás. Como resultado, uma montanha de memorabília inútil, juntando pó e atravancando meu apartamento.
Já levei três caixas de revistas velhas e livros que ninguém lia há muito tempo para o Asilo Padre Cacique. Sempre cresci com a sensação de que não podemos nos desfazer de livros. Mas eu simplesmente não tenho espaço para guardar todos os livros que alguém muito querido me deu, mas que eu não tenho o menor interesse em ler. Simplesmente porque há um número reduzido de horas no dia e um número infinito de livros para ler. Preciso de um ranking. Há livros que não serão lidos, por mais que pareçam interessantes.
Descobri (perdoem a ingenuidade) que é preciso ter menos coisas para aproveitar aquelas poucas coisas. Então, estou me desfazendo de coisas. Achei que o marido seria um aliado. Que engano... Aparentemente, revistas de trabalhos manuais importadas podem (e devem) ser jogadas fora, mas pilhas e pilhas de Quatro Rodas de seis anos atrás são intocáveis. Nunca o vi sequer folhear um revista anterior a 5 ou 6 meses. Mas lá está a pilha de revistas, intocável, na estante do corredor. Tentei bani-las para a garagem, mas nem isso eu consegui.
Sigo vendo os Acumuladores de vez em quando. Eles têm seu impacto. Fico imaginando um futuro sombrio, onde todos me abandonam porque não conseguem entrar na minha casa, um pesadelo.
Até agora, não dei falta de nada que tenha jogado fora. Achei algumas preciosidades reais em caixas desde a época da mudança (há 5 anos). Algumas que eu realmente procurara mais de uma vez e tinha sentido falta. Essas ficaram, como o livro de fisiologia que meu avô estudou, há 70 anos, na mesma faculdade em que eu estudei. Também guardei o meu primeiro livro-texto de pediatria, para que as minhas netas tenham o livro que a avó estudou, daqui a sessenta anos. Mas só um. Os outros foram doados para a biblioteca da Faculdade. Embora desatualizados, ainda podem ter utilidade.
O próximo desafio é ensinar minhas filhas a não se apegarem tanto às coisas, para que não levem 34 anos para fazer uma grande faxina.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O Vento

Quando a Luísa tinha 2 meses, comecei a levá-la em projeto chamado Música Para Bebês, do Instituto de Artes da Ufrgs. Era genial, eu adorava e morro de dó de o projeto não mais existir para eu poder levar a Joana. Uma das coisas que fazíamos era contar historinhas. A professora lia com uma determinada entonação, e repetíamos olhando para os bebês e realizando as atividades propostas. Ela usava aqueles livrinhos da coleção Gato e Rato da Ática. E o que era mais lido era O Vento. Naquele ano, na Feira do Livro, comprei vários livros da coleção, obviamente O Vento também. A Luísa é fascinada pelo livrinho do vento até hoje. Ela gosta de outros livros, mas O Vento é sempre necessário. Eu os leio todas as noites antes de dormir:
- Eu quero o livro do vento e da chuva e do barco e do trem - ordena a futura grande leitora.

"O vento soprou de leve (nessa hora eu assopro de levinho no rosto dela). Balançou as flores pra lá e pra cá (repito várias vezes enquanto balanço a criança pra lá e pra cá). O vento soprou frio no rosto dos meninos (sopro novamente no rostinho, um sopro friozinho). O vento soprou forte (dou um soprão bem forte). Levou o chapeu do seu Juca (tamborilo na cabecinha dela, mostrando onde fica o chapeu). Levantou a saia da dona Sônia (finjo balançar uma saia). Bateu portas e janelas com força (bato com a mão no chão ou na caminha dela, mostrando as portas a bater com força). O vento soprou, soprou, secou toda a roupa do varal (sacudo um retalhinho, que é a roupa do varal secando). Jogou no chão as folhas amarelas (nessa hora, devíamos erguer o bebê e ir descendo devagarinho, como se fosse uma folha caindo. Essa parte foi abolida quando ela passou de 7 kg.) E o vento levou pro céu o meu avião de papel"(jogo um aviãozinho de papel para o ar)
Eu obviamente sei a história de cor e salteada e de cabeça para baixo. E agora ela também recita junto, enquanto eu conto. Os outros livrinhos também são engraçadinhos, mas nenhum é tão especial como o do vento e os outros da coleção. E ela tem todos aqueles livros tecnológicos, com botões para apertar e coisas que saltam a cada página e fantoches e músicas e barulhos de bichos. Mas nenhum é tão preferido como o do vento. É simples, de papel comum, gasto de tanto eu contar. Acho que vou ter que comprar um de reserva, por que se este chega a rasgar, o mundo se acaba.

domingo, 20 de novembro de 2011

Enjoadinho

Vinícius de Moraes era um gênio. Todos sabem disso, odeio escrever o óbvio. Mas alguns dos seus poemas parecem ter sido escritos para mim, só para mim. O Poema Enjoadinho é um deles. Todos conhecem os versos "filhos, filhos, melhor não tê-los, mas se não os temos, como sabê-lo?". Eu acho, no entanto, que o que mais se aplica é aquele das "noites insones, cãs prematuras, prantos convulsos (...) Filhos são o demo".
Joaninha anda com a goela meio desregulada. Aquele pânico de toda a mãe de apartamento de que um dia um vizinho chame o conselho tutelar por causa dos gritos da criança. Por que não se pode baixar um aplicativo que ensine os miseraveizinhos a dormir como gente? Devia ter um numa appstore dessas.
Compartilho com vocês a melhor interpretação do Poema Enjoadinho, pelo Paulo Autran. É meio fúnebre, principalmente a cara do Datena, mas não consegui publicar só o áudio. (Nunca confie em alguém com mais de 30 anos).

sábado, 19 de novembro de 2011

Sujeira

Hoje fomos ao parque. Luísa andou nos autinhos da Redenção (aqueles, que existem desde 1950 e acendem os farois), tomou sorvete (derretido, lógico, porque senão ela achava muito gelado) e brincamos na areia. Fascinante! Sentou-se no chão em vez de ficar agachada para não se sujar, pegou areia com as mãos (antes era só com a pazinha) e se sujou inteira! E quase não reclamou! Só se incomodou um pouquinho com a terra entrando na sandália.
Para quem não conhece, parece conversa de louco, mas para mim é próximo a uma revolução. Quem convive com a figurinha entende do que estou falando. Uma criancinha que não quis pisar na areia da praia para não sujar os pezinhos e que nunca quer comer nada com a mão para não sujar as mãozinhas. Vejam bem que eu não tenho problema algum com a Luísa se sujar, a neura é dela. Por mim, pode andar descalça, tomar sorvete e se sujar de terra. Mas ela não gosta de nada gelado, pede para botar meias e só brincava na areia com um pauzinho... Até hoje. Cheguei em casa feliz com a minha menininha toda cheia de terra até nos cabelos. Claro que a primeira coisa que ela pediu foi para lavar a mão, mas aí tudo bem, o importante foi que ela se sujou.

***

Depois de lavar as mãos, o rosto e o pé (ainda é a Luísa, não duvidem...), ela resolveu olhar livrinhos. Pegou um que são reproduções de obras de arte para crianças, com texturas e outras coisinhas:
- Olha! Parece uma bailarina de Branca de Neve - disse ao olhar uma reprodução de L'Etoile do  Degas.
- Olha! A Luísa e a Joana! - enquanto via Children on the Beach, de Mary Cassat,

- Olha! Uma pontezinha - admirada com uma das pontes do Monet.
E a que eu mais gostei:
- Olha! Ficou escuro! É hora de dormir? - olhando a Noite Estrelada do Van Gogh.

Fraldas

Ter duas crianças com fraldas ao mesmo tempo é um certo desafio. Luísa está quase saindo dessa fase, mas ainda não saiu. Suspeito que uma irmãzinha de 3 meses tem algo a ver com a sua resistência.
Como passei a minha vida inteira estudando para resolver os problemas, tenho uma tendência (um pouco ingênua) de acreditar que tudo se resolve com um livro sobre o assunto. E já li vários sobre o treinamento de esfíncteres escritos por e para pediatras, durante a faculdade e residência. Achei, no entanto, que a Luísa aproveitaria um livro sobre o assunto. Então comprei o Livro do Penico para Meninas. É um livro cor-de-rosa, com um assento de patente com florezinhas cor-de-rosas na capa. Meio estranho, com aquelas frases que são obviamente traduzidas: "garotas de sorte, vamos fazer compras", ou outras coisas do gênero.
Comprei o livro, mostrei para ela, ela olhou e não deu muita bola. Hoje, no entanto, foi espontaneamente na estante procurar o tal do livro e pediu para ler umas 14 vezes. E, no final, disse:
- Não quero mais fraldas, quero usar calcinha de mocinha! - disse após ver as fotos do livro do penico (lindas menininhas do tamanho dela de calcinha e camiseta)
Tentei explicar que iria usar as tais calcinhas de mocinha assim que pedisse para fazer xixi e cocô no peniquinho. Ela ficou meio desapontada, não gosta muito de sentar no vaso com o redutor de assento. Mas está se interessando pelo assunto. Ela às vezes avisa quando fez cocô, mas nem sempre.
Estou esperando a escolinha começar o processo, porque é impossível tirar as fraldas dela sem a parceria de quem cuida da criança durante 10 horas por dia, 5 vezes por semana.
Enquanto isso, vamos treinando quando dá, olhando o Livro do Penico para Meninas e dando nacos do meu orçamento para a Pampers...

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Ontem a Joana iniciou sua vida escolar. Como volto a trabalhar dia 30, dei início à sua adaptação na escolinha onde vai ficar. Adaptação da mãe, porque ela parece muito bem adaptada. Aos 3 meses, Joana vai para a escola.
E agora começa a gincana do leite. Como médica de família e pediatra, sou uma franca defensora do aleitamento materno exclusivo até os 6 meses. Infelizmente, o Instituto de Cardiologia e a Prefeitura Municipal de Porto Alegre não compartilham o meu ponto de vista. Assim, gozei de licença maternidade de 4 meses e não de 6 meses. Então eu vou ter que tirar o leite no meio da manhã e no meio da tarde, prejudicando o atendimento aos pacientes (paciência, ninguém mandou não me dar a licença completa...) Virei amamentá-la no intervalo de almoço, o que também faz parte da gincana. Então agora estou em fase de testes da bombinha para tirar o leite materno. Graças a esta maravilha da tecnologia suíça, demoro cerca de 20 minutos para extrair 150ml do leitinho da mamãe. É bom saber que ela receberá o meu leite e não alguma fórmula da Nestlé ou da Danone, mas nada substitui o aconchego do meu bebezinho a mamar no meu colo. Chuinf! Quero 6 meses de licença maternidade!

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Luísa está aprendendo os números. Ela ainda não tem muita noção de que aquele símbolo representa uma determinada quantidade, ela apenas associa a palavra ao símbolo. Mas já é um progresso fascinante. Em termos de abstração e noção de quantidade, ela geralmente entende o que é dois. Quando é mais de dois, ela diz qualquer outro número maior de dois aleatoriamente. Se acontece dela acertar, faço a maior festa.
Mas agora ela conhece o 1, 2, 4 e o 5. Com os outros ainda se atrapalha. Quando ela não sabe, ela diz:
- É o... - mas jamais admite que não sabe.
Ela também está aprendendo a diferenciar as letras dos números. Não reconhece as letras, mas sabe que não são números. E também está descobrindo que a cada tecla do piano corresponde um som diferente, que tem um determinado nome. E que estes nomes se repetem ao longo do teclado. Ela toca uma tecla e pergunta:
- Quem é este? - querendo saber que nota musical é.
Tudo o que a Luísa quer identificar (coisas) ela pergunta quem é. Não existe "o que é". Apenas quem.
Não consigo deixar de me deslubrar com o desenvolvimento do cérebro de uma pessoa pequenininha, que há bem pouco sequer falava. Tudo se dá a passos galopantes. Há marcos geniais, como quando ela aprendeu a posição certa dos livros (antes ela olhava de cabeça para cima ou para baixo). Com um pouco mais de um ano, ela começou a virar de cabeça para cima. Deu um estalo.
A linguagem também é genial. Há cerca de 6 meses, pouco antes de completar 2 anos, ela fazia uma construção que eu adorava:
- O papai é bonito (ou feio, ou gordo, ou magro)? - perguntava o pai.
- O papai é bonito não é - respondia resoluta e necessariamente do contra.
Nos últimos dias o que me diverte é a mudança de assunto:
- O que fizeste na creche hoje? - pergunto eu no caminho para casa.
- Pintou a mão. O Mickey e a Minnie ficaram lá - responde, referindo-se a umas estátuas de jardim do hotel em que ficamos - e o Pica-pau também, né?
Ainda assim, tenho me surpreendido cada vez mais com a Luísa conversando conversas coerentes e que fazem sentido. Parece até uma pessoa falando...

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Casa

Chegamos agora há pouco em casa, vindos de Bento Gonçalves. Escrevo enquanto converso com a Joana, que tenta a façanha de enfiar os 10 dedos das mãos ao mesmo tempo dentro da boca, enquanto diz:
- Aguu, Gãaa. Aaai.
Meus lírios que ganhei de aniversário ainda estão floridos, a rua da República ainda está violeta (como diria a Luísa, que não gosta da palavra "roxo") e a casa ainda está uma bagunça. Mas é a minha casa.
Luísa andava numas de birras e travessuras em Bento, acho que um pouco por sentir falta da rotina dela. Parecia que um "esprit malin" havia se apossado dela. Ao entrar em casa, o Esprit Malin tomou seu rumo. Ela voltou a ser o mesmo anjinho de sempre.
Joana oficialmente recusa-se a dormir sem ser amamentada. Herança da viagem (imensa jornada de 4 dias e 3 noites a 120 km de distância). Até a véspera de sairmos, custava um pouco, mas conseguia que ela pegasse no sono sozinha, sem bico, peito nem colo. Às vezes ela botava o dedinho na boca. Mas dormia como um bebê (acho uma piada essa expressão, dormir como um bebê. Na minha esperiência de mãe e de pediatra, a maioria dos bebês faz tudo menos dormir como um bebê!).
Começo a noite cheia de intenções e planos para que ela durma melhor, mas aí a madrugada logo chega e eu chego a achar o Ferber natural. Voltarei ao trabalho em breve e não sei o que vai acontecer. Vamos ver se no seu habitat natural ela ativa alguma memória de sono melhor do que a atual.
A viagem a Bento foi divertidinha, o hotel com fazendinha, parque, grama pra correr e piscina térmica. Ótimo para aumentar as experiências e vivências das crianças. Mas ainda acho que é tudo tão muito mais fácil dentro da minha própria casa. Experiências em família 24/7 são boas mas cansam!

domingo, 13 de novembro de 2011

Kombi

Tomávamos a kombi. Naquela época, se dizia tomar a kombi em vez do lotação. É que em tempos ancestrais, os táxi-lotações de Porto Alegre foram kombis. E o vô e a wó, por qualquer razão, tomavam a kombi, nunca pegavam nada. Tomavam o ônibus, tomavam um táxi, tomavam a kombi.
Descíamos próximo ao Renner da Otávio Rocha, no ponto final. Íamos, naturalmente, ao Renner, que naquela época também vendia coisas para a casa e brinquedos. Depois, caminhávamos até o Mesblão. O Mesblão era um ponto de referência na cidade. Na aula de inglês, para aprender a pedir informações, perguntávamos:
- Excuse me, do you know where Mesblão is?
O Mesblão era gigantesco, com uns 7 andares de loja. A típica loja de departamentos, com roupas, bazar, brinquedos e setor de noivas. Muitos e muitos anos depois que o Mesblão fechou, trabalhei naquele prédio, que virou uma clínica médica (também já fechou). Trabalhava no sétimo andar. Na época da Mesbla, era o setor das noivas. E os seguranças noturnos da clínica contavam cada história...
Enfim, era uma tarde de compras de Natal para o Renner e a Mesbla. E sabíamos os presentes de todo mundo, tinha que se guardar segredo.
Em outra tarde, íamos na Casa Sloper, na Lyra, nas Paulinas e nas Americanas. Já existiam os shoppings, mas a wó preferia fazer compras no Centro. Não tinha Casa Sloper no shopping. E todos os perfumes, lenços, necessaires e outras miudezas eram comprados na Sloper. Eventualmente, passávamos no Guaspari na volta para casa. Acho que lá havia umas coisas mais baratas. Nessas duas tardes de compras, quase todo o natal era resolvido. E olha que a lista era longa. Incluía até o Irmão João, que invariavelmente ganhava uma camisa.
As ajudantes mais assíduas eram a minha irmã e eu, porque morávamos em Porto Alegre. Mas os primos de São Paulo e Brasília às vezes já tinham chegado para o natal e participavam também.
Tudo isso acontecia no final de novembro, quase sempre já em dezembro. Um calor senegalesco na cidade. Mas era muito bom.
Hoje, o natal começa em outubro (ao menos no Barra Shopping). E as compras de natal pertencem aos shoppings. É mais prático, tem mais lojas, tem estacionamento e, lógico, ar condicionado. A vida é mais fácil e menos mágica. Naquela época, o suprassumo do conforto era tomar um táxi no final da tarde de compras. Que maravilha, todo mundo no fuscão vermelho-tijolo com as janelas escancaradas e as compras no porta-malas dianteiro. Mas também não tinha congestionamento no túnel. Fala mal dos anos 80!
Neste ano, todo mundo vai ganhar Natura na minha família. Não estou com ânimo para compras nem em shopping e nem em lugar nenhum. O Natal vai ter que ser reinventado, porque nunca mais será igual aos últimos 34 natais da minha vida, na companhia da minha Wó Wanda.

sábado, 12 de novembro de 2011

Então viemos passear em Bento Gonçalves. O marido joga num evento esportivo do seu trabalho e viemos de mala e cuia a acompanhar. Meus pais vieram também participar da indiada.
Tenho sentido uma preguiça infinita de sair de casa nesses últimos dias de licença-maternidade. Só de pensar em tudo o que tem que trazer já fico cansada. O hotel é legal, tem fazendinha, parreira, parquinho, espaço pra correr. Tem até berço. Mas a banheirinha ficou em casa de novo. E ainda não elaborei o "plano B" para o banho da Joana.
Pela manhã, chegamos no clube onde se realizam os jogos. Lindo parque, parquinho, tudo de bom. Mas o mundo não foi feito para crianças de fraldas e seus respectivos genitores. Não tinha fraldário, o boteco só vendia pastel e torrada e não tinha microondas. Se eu reclamei? Lógico que não, troquei fraldas em cima de uma mesa de ping-pong. A Luísa comeu torrada e biscoito recheado com suquinho sabor fanta uva. Tudo uma delícia. A Joana, tudo o que ela precisa está na ponta dos meus mamilos, não envolve microondas. Mas havia um exército de famílias tentando esquentar potinho Nestlé, esterelizar mamadeira, esquentar mamadeira. O máximo que conseguiram foi a água do chimarrão, a exatos 90 graus, para dissolver o leite em pó. Na secretaria do evento, a pergunta que mais se ouvia era:
- Onde é o fraldário?
O que me surpreende foi que nos foi enviado um e-mail com um questionário sobre se levaríamos crianças e que idade tinham. Descobri que havia uma previsão de 40 crianças entre 0 e 3 anos. Quarenta! Custava botar uma mesa limpinha com um colchão de ginástica em cima e um microondas? 
E querem fazer copa do mundo...

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Bolsa de mãe

Esstava procurando o controle-remoto da garagem. Decidi desmontar a minha bolsa, que precisava ser limpa de qualquer jeito, para encontrá-lo. Há um site chamado Bolsa de Mulher, mas acho que bolsa de mãe é ainda mais interessante. Eis o que encontrei na minha bolsa, que não é muito grande:
- Minha carteira
- Talão de cheques
- Niqueleira
- 1 Baton
- 1cartela de Paracetamol 750mg
- Carregador de celular
- Celular
- 1 tubo de hidrocortisona creme
- 1 tubinho pequeno de álcool-gel
- 4 band-aids das princesas
- 1 pacotinho de lenços de papel
- 1 vidrinho de 4711
- 3 pacotinhos de lenços umedecidos embalados 1 a 1
- 1 pacotinho de lenço umedecido 4711
- 2 livrinhos de bichinhos
- 1 chupeta, dentro da sua caixinha
- 1 fraldinha de boca
- 1 bonequinha polly e seus apetrechos
- 2 balas de menta
- 1 caixinha tupperware com 7 uvas passas e 2 biscoitos de leite
- R$3,75 em moedas soltas na bolsa
- 1 nota de 2 reais solta
- 4 notas fiscais de compras diversas
- 1 fita métrica
Além disso, claro que levo uma imensa mochila quando saio com elas. Tem todas as coisas das crianças, como fraldas, pomada, lencinhos, roupas, fraldas de pano, trocador, mais brinquedos...
Minha mãe, em sua mesa de trabalho, tinha uma plaquinha que dizia:
"A loucura é hereditária: a gente herda dos filhos"
Não sei quem foi o gênio que escreveu isso, mas gostaria de cumprimentá-lo pessoalmente.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Secando gelo

Alguém esses dias sugeriu que eu contasse no blog algumas das muitas desventuras vividas no mundo médico, preservando o sigilo, lógico.
Essa aconteceu no posto onde eu trabalho. Não foi propriamente comigo, eu estava na sala ao lado e ouvi o diálogo insólito do meu colega com um usuário do sistema.
Segunda-feira de manhã, dia nacional da muvuca no posto. Tudo o que esperou o fim-de-semana precisa ser resolvido agora. O povo do meu local de trabalho é até bastante educado e civilizado. Não são dados a barracos nem siricoticos. Mas sempre tem um que é diferente. Lá pelo meio da manhã, no meio do burburinho da recepção, uma voz se destaca, falando mais alto que as outras:
-Eu tenho que resolver meu problema, não querem resolver meu problema.
Eu tinha notado o cidadão ao chegar às 8h para trabalhar. Ocorrera-me Noel Rosa: “tenho passado tão mal. A minha cama é uma folha de jornal”. Aquele cheiro de quem dorme em uma folha de jornal há muito tempo e não vê chuveiro há mais tempo ainda.
O clima começa a ficar tenso. Meu colega atendendo um paciente e eu, na sala da enfermeira, ao lado da dele, preenchendo papeis (que é o que mais fazemos na Estratégia de Saúde da Família). Minha sala mesmo ficava no andar de cima. Mas com 8 meses de gravidez, estava evitando subir e descer escadas e tinha ficado por ali mesmo. Terminado o atendimento, ele decide vestir as calças de homem e chamar o segurado na chincha:
- Seu Fulano - chamou ele, e o paciente seguiu discursando, sem perceber que estava sendo chamado.
- Seu Fulano, por favor – repetiu o doutor
Lá pela terceira ou quarta chamada, o senhor dignou-se a dirigir-se à sala do médico, que perguntou:
- O que é que houve, seu Fulano, porque é que veio hoje no posto?
- Eu vim hoje no posto.
- Sim, seu Fulano, estou vendo que o senhor veio hoje ao posto. Em que posso lhe ajudar?
- O senhor pode me ajudar - respondeu o seu Fulano. Eu, na sala ao lado, já tinha largado a caneta e ouvia a tudo atenta para saber em que ia dar.
- Sim, mas como eu posso lhe ajudar? – pergunta o médico aos gritos. Aparentemente, ninguém escutava bem naquela manhã, pois tudo se dava aos gritos.
Silêncio.
- Seu Fulano - continua o médico - o que o senhor veio fazer aqui hoje?
- Eu vim aqui hoje – respondeu calmamente.
- Seu fulano – o médico muda a abordagem – aqui no posto a gente tem consulta com médico, com enfermeira, com dentista, faz curativo, vacina, entrega remédio. Do que o senhor precisa, o que lhe incomoda?
Pausa. Após alguns segundos, ele responde:
- Eu estou com fome. Preciso de comida.
- De novo, seu Fulano, no posto tem atendimento com médico, enfermeira, dentista, curativo, vacina, remédio. Infelizmente, não temos comida. Esse problema eu não posso resolver agora. O senhor precisa de mais alguma coisa?
Nova pausa.
- Eu acho que eu precisava beber menos.
- Isso eu também acho, seu Fulano. A coisa mais lúcida que o senhor disse até agora. Até logo.
- Até logo, doutor, disse o seu Fulano saindo do posto calma e civilizadamente – acho que seu Fulano precisava de atenção, além de comida.
Na recepção e no resto do posto, aquele silêncio constrangido, a equipe segurando o riso e os outros pacientes comentando baixinho:
- Bêbado inútil! Vai trabalhar, vagabundo! Fica tirando lugar dos outros.
Pobre do seu Fulano, há males que a medicina moderna não resolve. E para a equipe, depois de rir e comentar o non-sense da situação, restava a nítida sensação diária de que secamos gelo com imensa competência.




terça-feira, 8 de novembro de 2011

Piano II

Então a Luísa chegou em casa e viu o piano:
- Olha! O piano. Eu vou tocar - disse resoluta.
Sentei-a no banco e ela tamborilou com os dedinhos, feliz da vida. Aí ela perguntou:
- É o piano da bisa? É o banco da bisa? - perguntou sorrindo.
Respondi que sim, que era o piano da bisa, que agora ele iria ficar aqui, na nossa casa. Ela olhou para a foto da bisa que eu tinha posto em cima do piano e atirou um beijinho.
Não sei até agora como não comecei a chorar naquela hora, mas agora, escrevendo isso, estou toda arrepiada e arriscando molhar o teclado.
Ficamos ali tocando por uma meio hora. Até a Joana ria e "cantava", participando da brincadeira.
Obrigada, wó e vô, pelo lindo piano que está na minha sala...

Piano

Os instrumentos musicais são entidades com vida própria. Tenho a convicção de que, quando os humanos saem do recinto, eles ganham vida e interagem uns com os outros, como em Toy Story. Para mim, sempre foram chocantes aquelas imagens de instrumentos musicais sendo destruídos. Vi um concerto do Fito Paez em que ele destruiu sua guitarra. Nunca mais gostei do Fito Paez como antes. Até ouço, mas não com o mesmo encanto. Me levam às lágrimas aquelas cenas de filme do piano sendo levado pelo mar, ou em Billy Elliot, quando a família de mineiros pobres nos anos 80 queima o piano da falecida mãe por não terem lenha no inverno. Definitivamente, não sou um ser vivo competitivo. Seria capaz de congelar no inverno, mas não seria capaz de queimar meu piano.
O piano chegou hoje. Subiu 9 andares de escada e está devidamente instalado no seu novo lar. Espero que goste da nova casa. Veio trazido pelas mãos calejadas e competentes do Seu João, o carregador de piano da cidade. Com mais de um milhão de habitantes, só há um carregador de pianos em Porto Alegre. Cobrou os olhos da cara, mas, como eu já disse, pianos são seres vivos e merecem todo o nosso carinho. Paguei cada centavo para tê-lo em segurança, montado e afinado, pronto para ser tocado. A Luísa não viu ainda. Só estou esperando sua carinha de espanto quando chegar da escola e disser:
- Olha! O piano! Pode tocar?
Pode, Luísa, pode tocar o piano. Os vizinhos que aguentem os anos de treinamento até que a Luísa possa cobrar ingresso para suas audições concorridíssimas de super pianista. Se ela quiser, claro.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Xampu


Dia desses deu na TV umas coisas sobre o início do Plano Real e todos os planos que o antecederam. Imagens da época do Sarney, do Collor, de tudo isso. E apareciam os supermercados (desabastecidos, na sua maioria, por causa dos congelamentos e toda aquela loucura). Não mudaram muito, mas fico tentando me lembrar como era a vida naquela época.
Não tinha muito shopping. Tinha o Iguatemi, mas era lá longe (pra quem morava em Ipanema) e era um programa a ser planejado com antecedência. O fast-food da época eram as lanchonetes dos supermercados. Lembro-me de comer na sobreloja do Dinosul, que era bem  legal, tinha um bazar do lado, vendia discos (bolacha-preta, lógico), roupas, brinquedos, coisas para casa. Tinha também o Zaffari Higienópolis, que tinha escada rolante, muito chique. Era um programão ir numa lanchonete dessas no final da tarde, na volta para casa.
A gente estudava no finado Santa Rosa de Lima, que tinha um uniforme meio bizarro. Era uma saia cinza de plissa larga e uma camiseta vermelha. Fazíamos natação no centro porque a minha mãe trabalhava na restauração da Casa de Cultura Mário Quintana e era perto. Mais adiante, íamos no Cultural depois da escola. Tinha uma biblioteca muito bacana, que tinha até gibi em português. Ha via aquelas revistas Mad, que eu achava o máximo. E a gente podia pedir pra ver um filme. Era em inglês sem legenda, meu inglês não era tão bom assim, mas eu adorava. Pedia pra ver sempre os mesmos: Casablanca e Back to the Future.
Mas a maior nostalgia dos anos 80 eu sinto quando estou no setor de xampu do supermercado. Como a vida era simples. Existiam provavelmente duas ou três marcas de xampu e acho que uma de condicionador. Aliás, condicionador se chamava creme rinse. Havia xampus para cabelos normais, oleosos ou secos. Colorama ou Palmolive. E o creme rinse era Neutrox. Tinha o Neutrox 1 e o 2. Um era rosa e o outro era amarelo. Sempre comprávamos o amarelo, não tenho a menor ideia por que.
Hoje, gasto horas preciosas da minha vida tentando descobrir qual o melhor xampu para o meu cabelo. Começo a acreditar que, na verdade, não faz muita diferença. Mas o impacto de todas aquelas marcas, tamanhos, qualidades e preços confundem a cabeça de quem nasceu no século passado. Qualquer escolha implica alguma perda (do que eu não escolhi). Nos anos 80, eu tinha que escolher entre três tipos. Hoje, são infinitos. Eu sei, é melhor ter mais opções, mais liberdade, mais concorrência. Mas quando não se conhecem mais opções, liberdade e concorrência, a vida é mais simples com três qualidades de xampu. Nostalgia...

domingo, 6 de novembro de 2011

Amor com Flor

Foi assim: a Luísa ganhou de uma amiga minha um leãozinho de pelúcia amarelo. Cantarolei pra ela O Leãozinho, de Caetano Veloso. Ela adorou. Seu pai tentou cantar (eu estava amamentando a Joana, que estava quase dormindo) mas não lembrava da letra. Aí, ele procurou um cd para tocar a música, mas também não achou. Tive uma ideia brilhante: tocar no violão. Há 15 ou 20 anos eu sabia tocar a música. Acho que fazia uns 2 anos que eu nem tocava no violão. Não sei quando e nem porque parei de tocar. Aquelas coisas que deixamos pelo caminho.
Terminei de amamentar e fui pegar o violão. Acho que lembrava de cor, mas peguei o livro de música. Toquei O Leãozinho inteiro, ela vidrada no violão. Tive que tocar mais duas vezes.  Na última vez, já tentava cantar junto. Pode ser que a música no cd fosse mais bonita, a voz menos fanhosa e tudo o mais. Mas ela adorou O Leãozinho ao vivo. Queria tocar o violão junto. É mais fácil para uma criancinha sentar no piano do que tocar violão. O violão é bem maior que ela, literalmente. Mas ela bem que ela tentou... E me disse umas duas ou três vezes:
- Qué tocar violão.

Na sequência de tudo isso, catei no quartinho dos fundos a minha pasta de músicas. Aquelas músicas que qualquer violonista que se preze vai juntando por aí. Vai xerocando dos amigos e atafuiando numa pasta pra poder tocar nos churrascos da faculdade. A pasta começou bem antes da faculdade, frequentou galetos do Colégio Rosário e todos os “churras” da Famed. Fazia sucesso (a pasta, não eu). Mas eu me divertia. Ela é bem eclética: Beatles, Engenheiros do Havaí, Raul Seixas, Mutantes, Legião, ... De tudo um pouco.  No meio da pasta, um tesouro: uma música que o meu pai compôs. Ele sempre falava mal da canção, dizia que rimava amor com flor (é verdade). Mas a música é bonita. Enchi-me de saudade. Ainda me lembro da melodia. Acho que vou gravar, voz fanhosa e tudo, para não se perder.
Segue a letra:

                Uma mensagem de esperança
                Agitou minha vida mansa
                Até peguei meu violão, tanto tempo sem ação
                Troquei de roupa,
                Deixei o juízo
                E fui pra rua vestido de sorriso

                Andei com gente
                Diabo a quatro, fiz misérias
                Há tanto tempo que da dor não tinha férias
                Comi pipoca, andei de bonde
                Fui parar não sei aonde
                O que interessa é que eu estou me apaixonando

                Não há tristeza que resista
                À luz de um amor à vista
                A questão é procurar sem ter medo de se dar
                Trocar de roupa
                Roubar uma flor
                Voltar pra casa sorrindo um novo amor
                                                               Olinto Gabriel Lovato

sábado, 5 de novembro de 2011

Meus Trinta e Quatro Anos

Não estou muito inspirada hoje. Assim, vou citar Casimiro, um dos poemas favoritos da Seleta, e Paulo Tatit




Meus Oito Anos
                                        Por Casimiro de Abreu
Oh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais

Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais.

Como são belos os dias
Do despontar da existência
Respira a alma inocência,
Como perfume a flor;

O mar é lago sereno,
O céu um manto azulado,
O mundo um sonho dourado,
A vida um hino de amor!

Que auroras, que sol, que vida
Que noites de melodia,
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar

O céu bordado de estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh dias de minha infância,
Oh meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã

Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delicias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha, irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Pés descalços, braços nus,
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas
Brincava beira do mar!

Rezava as Ave Marias,
Achava o céu sempre lindo
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais

Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A Feira

É época de Feira do Livro, que pra mim é melhor que Natal. Cheguei agora em casa, o marido, a Joana e eu. A Luísa irá na próxima semana. Tudo muito bem, andar pela feira com a família. Todo mundo faz assim. Não há muitos solitários pela feira. A maioria anda aos bandos.
Mas para mim, a Feira do Livro é um passeio solitário. Para ser aproveitado ao máximo, é preciso estar só. É preciso não ter que se preocupar com mais nada. Só andar por entre as bancas, xeretá-las uma a uma. Folhear os livros mais bizarros, aqueles que poderíamos ter vergonha de folhear na frente dos outros. É preciso gastar um tempo enorme em cada balaio, tentando achar uma preciosidade pessoal por uma pechincha... Aqueles livros que só EU gosto. Os que todos os outros acham idiotas. Os títulos inconfessáveis.
É um passeio egoísta. Não quero esperar os outros acharem seus próprios tesouros. Eu estaria perdendo um tempo precioso.
Talvez isso aconteça por eu ter tão pouco tempo de ir à Feira com calma e sozinha, entre uma mamada e outra. Em outras edições, solteira e sem filhos, achava até interessante a companhia de alguém. Outros insights, outras sugestões de leitura e de conversa. Mas nos últimos três anos, tudo é muito rápido e corrido. Tenho que desenvolver uma estratégia para conseguir ver o mínimo que é fundamental para mim. Ando rapidamente por toda a feira, para sentir o ar e localizar possíveis bancas com tesouros. Depois, volto naquelas principais e, rapidamente, me decido por comprar algo.
O problema também de comprar os livros bizarros e pouco populares é trazê-los para casa. Fora todas as paredes forradas de livros de todas as qualidades que eu já tenho. Onde por mais livros? Quando ler mais livros? E como justificar ao outro adulto da casa aqueles títulos pouco convencionais? Em anos anteriores já trouxe livros escondidos e, sorrateiramente, coloquei-os na estante. Ao ser questionada, confesso que me fiz de louca e disse:
-Quê, esse livro? Não, não, está aí desde antes de casarmos... Não, olha como já é velho (lógico, foi comprado usado...)
Nem sempre funciona, mas vale a tentativa. Na Feira do Livro, sempre vale a tentativa.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

medos

Chegamos anteontem das Missões. É uma viagem de quase 600 km. Fazê-la com duas crianças de fraldas é um desafio de logística. Assim, resolvemos fazer a volta em 2 etapas. Saímos de manhã de Roque Gonzales, almoçamos um pouco depois de Ijuí e chegamos no Parque das Tuias (perto de Soledade) lá pelas 2 da tarde. É um parque aquático, tem piscinas, tobogã, essas coisas. Tava muito frio para brincar na água, mas o hotel fica dentro de um parque com vários bichinhos soltos: coelhos, ovelhinhas, um aquário com peixes grandes, patos, gansos, perus, galinhas. Tem uma horta bem vistosa e muita área verde para caminhar. Tem até uma capela toda revestida de ametista roxa. Aliás, é o que mais tem naquela região: pedras semi-preciosas.
Como já falei antes, Luísa, aos 2 anos, adora bichinhos: bichinhos impressos em livros, bichinhos na televisão, de pelúcia, do lado de fora da janela do carro, lá longe... Bichinhos ao alcance da mão, não. Bichinhos de verdade, que se mexem e têm vontade própria, nem pensar.
Mas nunca imaginei que fosse ter medo de coelho. Coelhos são fofinhos, meigos, parecem de brinquedo. Mas eram de verdade e a Luísa não quis nem chegar perto. Ficou no meu colo, a cabeça enfiada no meu ombro. Os peixes do aquário foram mais tolerados. Eram bem grandes, tinha bagre, carpa, uns peixes grandes e cor-de-laranja iguais aos de um livro dela. Aí ela se entusiasmou, chegou pertinho do aquário (não quis encostar no vidro) e dizia:
- Olha! Os peixes grandes e pequenos – é uma das frases do livrinho.
Havia um lago com patos, gansos, perus e umas galinhas. Em volta do lago, uma tela, impossível o contato direto das aves com os visitantes. Nem atrás da tela quis chegar perto dos patos.
Lá pelas tantas, nos deparamos com estátuas da Branca de Neve e os Sete Anões. Ela não quis nem olhar. Expliquei que eram bonecos, eram de brinquedo. Não teve conversa. Mas confesso que eram tão feios e distorcidos que realmente pareciam assustadores. Acho que se eu tivesse 2 anos também iria ter medo dos anões...
No fim do dia, passamos de novo pelo coelhinho. Ela não estava mais tão assustada. Não quis chegar perto, mas não pediu colo e nem se escondeu. Pensando bem, acho que a Luísa é saudavelmente cautelosa. Criança de apartamento...

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Momento Amélie Poulain


Coisas que a Wó Wanda gostava:

Pezinho de nenê
Filmes e livros de mistério
O Grêmio
Ver jogos de futebol
Crianças
Estudar a Bíblia
Lost, o seriado
Receber cartas
Escrever cartas
Lecionar
Colherinhas
Xícaras de cafezinho
Aceito novas sugestões...

Coisas que o vô Berto gostava

Menininhas (com todo o respeito)
Tango
Coisinhas miúdas
Consertar coisas
Discursar
Contar sua viagem para a Europa
Usar o instrumento certo para a tarefa certa
Meninas-moças girando com saias rodadas
A Noviça Rebelde
Lecionar
Também aceito sugestões