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Fui ao Centro buscar a escritura da minha linda casa nova. Adoro ir ao Centro. Fui caminhando da Cidade Baixa até a Siqueira Campos. Subi a Borges de Medeiros e fui caminhando pelo Viaduto Otávio Rocha, na parte de baixo, admirando todas aquelas pixações. (São feias e dão um aspecto de sujeira. Nenhum pouco artísticas. Mas fazem parte do cenário desde que o mundo é mundo. As mais legais são as que defendem o Irã, como se fosse revolucionário impedir menininhas de frequentar a escola. Viva o Brasil, que é muito mais revolucionário que o Irã!) Quando cheguei na esquina com a Jerônimo Coelho, escorreguei e caí. Virei o pé e caí sentada no chão. Não foi nada grave, estava a me levantar sozinha, quando percebi uma mão que sustentava o meu cotovelo, auxiliando meu equilíbrio. Olhei e vi que a mão pertencia a um homem sujo e barbudo, morador de rua, que cheirava a cachaça e suor velho. Só reconheci o Valdair quando ele disse:
- Doutora! A senhora caiu! Está bem? - enquanto um casal limpinho e de meia idade olhava espantado para a cena, vindo em meu socorro, com cara de pavor - Essa é a minha doutora. Ela já me tirou do buraco uma vez.
- Oi, Valdair, obrigada - respondi eu, ajeitando as sacolas no braço (impossível ir ao Centro e não sair com sete sacolinhas) - Pelo visto vou ter que tirar de novo. O que houve? Não tinhas voltado para casa?
O casal seguiu pela Borges, olhando para trás. Avisaram o brigadiano que estava na outra esquina, ainda desconfiados que o Valdair estava a me assaltar.
- Olha ali, doutora, chamaram o guarda. Eles pensam que vou lhe fazer mal.
O PM perguntou se estava tudo bem. Respondi que sim, que tratava-se de um paciente meu, que viera em meu socorro após um tombo. Valdair continuou:
- Eu tinha parado, tinha voltado para a Janaína, até fralda eu troquei, doutora. Levei a nenê no hospital um dia que ela ficou doente. Tinha arrumado um trabalho.
- E o que houve? - eu tinha encontrado o paciente em uma consulta há cerca de 45 dias, de barba feita e camisa de poliéster limpinha e cheirosa. Cheio de planos, havia voltado a ser pai dos seus seis filhos. E marido da Janaína.
- Ah, a assistente social me arrumou um trabalho. Um trabalho bom, de lavar prato. Mas num boteco, doutora. Aqui na Andrade Neves. Bebum trabalhando em boteco não dá, né?
- É, Valdair, em boteco fica difícil. Volta pra casa. A Janaína está sozinha com os meninos.
Fui até a parada do ônibus, esperei o Agronomia com ele e meti uma nota de dez reais no bolso do casaco dele. Pode ser que gaste tudo em cachaça. Mas era a única chance dele desembarcar na vila.
Ora bolas, pensei eu. Lavar prato em boteco. Às vezes não sei em que mundo a assistência social vive!