quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Boa Nova

Normalmente, quando escrevo sobre meus pacientes, é para contar alguma coisa medonha. As coisas horríveis que espantariam Nelson Rodrigues. Famílias despedaçadas, mães em prantos convulsos, filhos presidiários, maridos violentos, crianças abandonadas, idosos negligenciados.
Hoje foi diferente. Atendi um bebê de 19 dias. Limpinho, em aleitamento materno exclusivo, família nuclear tradicional. Quarto garoto de um casal unido há 15 anos.
- E os outros filhos, Suzana, como estão com o novo bebê? - perguntei.
- Estão bem, doutora. O de três anos às vezes sente ciúmes, mas vamos conversando com ele, nada fora do   normal. O de 13 me ajuda bastante.
- Como ele está? - Já havia atendido o menino há algumas semanas, pouco antes do nascimento do Pedro, com gripe A.
- Tudo bem agora. Muito entusiasmado com a viagem.
Perguntei sobre a tal viagem, imaginando algum campeonato esportivo no interior ou coisa parecida. Então Suzana me contou que o filho de 13 anos, aluno da sétima série, gostava muito da escola. Havia há alguns meses participado de um concurso de redação entre crianças moradoras do Morro da Cruz. Foram selecionados os dez melhores textos, cujos autores foram contemplados com uma viagem para a Itália para conhecer os locais por onde passaram os pracinhas brasileiros que lutaram na II Guerra Mundial. Seu menino foi um deles. Ela conversou com o filho, explicando que era uma oportunidade única, visto que a família de seis pessoas sobrevive com menos de dois salários-mínimos. A avó referia muito medo do avião. Mas no final, o garoto decidiu ir. Embarcam no mês que vem. Uma professora está dando aulas de italiano voluntariamente para as dez crianças. Ganharão uniformes e agasalhos para o outono mediterrâneo. E já leram tudo o que encontraram sobre a campanha da FEB durante a Guerra. Conversaram com veteranos, viram fotos. Os olhos da mãe brilhavam ao contar sobre os preparativos.
A consulta do Pedrinho foi ofuscada pelo sucesso do primogênito. O Pedrinho está muito bem, fofinho, bem cuidado, com bom ganho de peso e muito saudável.
Saí do consultório com um sorriso de orelha a orelha. Contei para todo o posto. Só o fato do Pedrinho pertencer a uma família ajustada e normal, sem nenhum drama terrível, já é quase um espanto. Mas o irmão do Pedro ir para a Itália beira um conto de fadas. Este menino mora em um dos bairros mais violentos de Porto Alegre. Conheço muito bem essa violência, pois ela invade a vida de muitos dos meus pacientes. A de quase todos. As escolas não são muito boas. Não há muitos parquinhos para os pequenos. Não há creches em número suficiente. Existe uma promiscuidade entre o tráfico e a comunidade. Há, sim, muita gente do bem. Gente como a família de Suzana. Que trabalha, educa os filhos, manda-os à escola e, uma vez na vida, recebem um presente como este.
Mas o maior presente é esse garoto de 13 anos. Garoto que gosta da escola, não se mete em confusão, ajuda os irmãos menores e só quer saber de melhorar de vida. Pelo caminho certo.
Genial.
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2012/08/estudantes-do-morro-da-cruz-vao-conhecer-a-italia-3861178.html

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