domingo, 22 de julho de 2012

Mais cartas

Na última reunião de família, mais cartas antigas foram compartilhadas. Desta vez, a correspondência do vô com seus parentes da Alemanha no pós guerra imediato. Há uma carta em especial que chamou mais atenção. É uma carta que pede comida. Basicamente, diz que toda a família passava fome e imploravam para que mandassem comida. Pegar naquelas cartas, no original, me deu arrepios. É um simples pedaço de papel, mas por si só já diz muito. Primeiro, as cartas procedentes da Alemanha derrotada só podiam pesar 20g. Assim, cada milímetro do papel era aproveitado. Eles escreviam em alemão gótico, frente e verso, sem margem nem parágrafo. Acrobacias para traduzir.
Não me recordo em que cidade moravam aquelas pessoas, mas fiquei a imaginar a senhora a escrever à luz de velas, após os filhos estarem deitados, sem luz elétrica no país arrasado pela guerra. Não havia gasolina, nem eletricidade, gás, comida, nada. A primeira carta chegou ao Brasil em setembro. Havia sido postada em junho. Não havia correio aéreo da Alemanha para cá. Logo em seguida, chegam outras cartas perguntando se haviam recebido a primeira, pois passavam muita fome. Ela descreve a fome. Havia batatas. E pão. E água. Pouco de cada coisa. Sem carne, frutas, verduras, leite, ovos, chocolate, açúcar. Sem proteína. Seu marido, médico, trabalhava em um consultório a 30km de casa. Por não haver combustível, ia de bicicleta, nutrido por sua dieta forçada de menos de 1000 kcal por dia. Já emagrecera 15kg.
Sei, por ouvir meu avô contar, que o primeiro pacote de comida chegara próximo do Natal de 1945. Cerca de seis meses depois da capitulação da Alemanha e do envio da primeira carta. O vô conhecia todos eles pessoalmente. Estivera na Alemanhs fazia menos de dez anos.
Nos alfarrábios do vô existe também a lista das coisas que foram mandadas. Aparentemente, existia um serviço especializado em enviar kits de alimentos para a Europa arrasada. Com catálogo e tudo. No Canadá. O vô mandou uma carta para uma empresa canadense encomendando uma caixa de comida para a família que morava na Alemanha. Ovos em pó, frutas em calda, salmão defumado, leite em pó, leite condensado, chocolate, sardinha em lata, carne salgada, embutidos e qualquer outro item imaginado que tivesse proteína. Além de arroz, feijão, café, farinha, etc.
Fiquei muito aliviada ao ler que eles detestavam os nazistas. Tiveram que agüentar para não serem presos. Mas deram graças aos céus quando o déspota finalmente se foi.
A correspondência com este núcleo familiar durou até os anos 1980, quando a matriarca morreu. Não sei se seus descendentes têm alguma idéia que a família sobreviveu com a ajuda de brasileiros de origem alemã que mandaram enviar comida canadense de avião para a Alemanha. Um dia eu pego um avião, vou até lá e conto para eles.

Quase 70 anos depois, do outro lado do oceano, minha filhinha completou um ano. E ninguém passou fome na festinha (era o meu temor secreto que não desse tempo de encomendar as coisas e os convidados não tivessem o que comer). Brigadeiros feitos em casa, bolo feito pela vizinha, tudo bem caseiro. Os salgados foram Totosinho, porque trabalhando 60 horas por semana, foi o que deu para fazer. Salão decorado pela equipe de apoio com as coisinhas que comprei pela internet. O tema da festa foi joaninhas, lógico. Acho que deu certo. Mas cansei. Sou boa de ter idéias ótimas, mas foi a primeira vez que executei sozinha (ou quase) um evento. Mesmo que só para os íntimos. Que bom que é só um aniversário por ano. Pra cada uma.

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