domingo, 29 de julho de 2012

Vidinha

Cheguei há pouco do plantão. Não é muito bom prognostico, isso, para um início de postagem. Tudo correu tranqüilamente, só não foi melhor porque não teve nhoque no almoço. (dia 29, dia do nhoque da sorte, lembram?)
Fiquei tristonha com um menininho de cabelos cacheados, 1 ano e 2 meses, desacompanhado no seu bercinho. Não chorava, o anjo. Ficava ali, quietinho. Os olhinhos parados. Às vezes, balançava-se de um lado para outro, num movimento autômato. Recebia sua mamadeira, segurava-a sem nenhuma ajuda, acostumado a alimentar-se sozinho. Havia 16 crianças internadas na emergência no início do plantão. Isso inviabiliza qualquer tentativa de dar atenção extra para quem quer que seja. Há simplesmente coisas demais para se fazer. Mas cada vez que eu passava pelo berço, me dava um aperto no coração. Quase chorei. Só não chorei porque não deu tempo.
As enfermeiras me passaram o caso. A jovem mãe, seus 16 ou 17 anos, estivera havia dois dias, no inicio da internação. Mas tinha um bebê pequeno, de um ou dois meses. Não tinha apoio familiar. Deixou o mais velho sozinho no hospital. Fiquei a pensar se voltaria. O serviço social já fora contatado, mas nada funciona no final de semana. Então o garotinho de cabelos cacheados permaneceu sozinho no hospital. Recebendo oxigênio, sorinho na veia, antibiótico, nebulização. Sem choro. Quietinho.
Lembrei-me dos relatos de pediatras mais velhos. Do tempo em que as mães não podiam ficar com seus filhos enquanto estavam hospitalizados. As crianças ficavam ali sozinha, um berço do lado do outro, com enfermeiras a cuidá-las, sempre muito ocupadas. Choravam até acabar todo o choro que tinham dentro de si. E então paravam. Ficavam parados, o olhar perdido. Não reagiam. Desenvolviam, eles também, movimentos autômatos, como o balançar-se para frente e para trás do garotinho dos cabelos cacheados. De tão comuns, estas reações tinham até nome na literatura médica: hospitalismos. Indicavam, assim como nas síndromes do espectro autista, uma desconexão com o ambiente. Já tinham passado da fase do choro. Muitas crianças hospitalizadas paravam de comer e de aceitar leite. Recebiam apenas a hidratação pela soro da veia. Perdiam peso, ficavam desnutridas e custavam muito a melhorar. Às vezes não melhoravam. E a mortalidade infantil no Brasil beirava os 200 por mil nascidos vivos.
Felizmente este tempo acabou. Hoje, a presença dos pais é, não somente permitida, como exigida nos hospitais pediátricos. Winnicot e os bebês da Segunda Guerra já nos ensinaram há muitos anos que não existe criança sem mãe. As crianças melhoram mais e mais rapidamente, alimentam-se melhor, sorriem mais e têm alta mais cedo quando acompanhadas. Crianças precisam de afeto na mesma medida que precisam de todo o resto.
O menininho de cabelos cacheados foi transferido para o andar de internação. Ficou longe dos meus olhos, mas pensei nele o plantão inteiro. Ele precisava muito de colo, tanto quanto do tratamento.
Cheguei em casa e fui recebida pelas minhas menininhas, que ganham muito colo. São sapecas, mimadinhas, choram, fazem manha. São normais. Graças aos céus. Descobri, novamente, que meu maior medo de mãe é não estar lá para elas. Hoje passei o dia longe, mas cheguei. Mais um dia em que me reuni com a família no final do dia. Uma benção.

2 comentários:

  1. Esse post mexeu comigo, talvez pq estou preste a dar a luz.

    Somos abençoadas por poder curtir os nossos baby's e eles tb, por ter as suas mamães corujando e lambendo as crias sempre. rs*

    Glória Deus!

    bjs...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É que eu chego pessimista do plantão porque estou cansada e com saudade das filhas. Mas já perdi a conta de quantas crianças internadas naquele e em outros hospitais em que trabalhei estavam com as mães, pais, avós, tias, vizinhas, etc. Felizmente o menino dos cabelos cacheados é exceção da regra. O normal é ter alguém. E ser bem cuidado e amado. Mesmo muito pobres. Bem vinda à maternidade!

      Excluir