quarta-feira, 11 de julho de 2012

Beatles

Achei no meio da tralha a fita k7 que ganhei quando descobri os Beatles. Eu me lembro quando descobri e tomei consciência da sua existência. Quase a sensação que Howard Carter teve ao entrar na tumba de Tutankamon pela primeira vez. Quase.
Tinha uma novela das sete (obviamente não me lembro o nome), que tocava uma versão em português de Hey, Jude. Era qualquer coisa assim:

"Hey, Jude, Não fique assim
Sabe a vida ainda é bela a a a
Esqueça de tudo o que aconteceu
Amanhã será um novo dia (...)"

Não lembro do resto da letra. Eu a achava bonita, aos 12 ou 13 anos. Dona Ilka, a professora de música, arranjou as cifras para eu tocá-lá no violão. Acho que foi minha mãe quem me ouviu tocar e me falou que aquela era uma versão traduzida do original dos Beatles. Eu sabia que os Beatles existiam, já tinha visto discos de vinil em casa. Mas nunca tinha me ligado naquilo. Fazia parte daquele caldo cultural inconsciente em que estamos metidos desde o nascimento, sem nunca prestar muita atenção. Aí, ouvi o negócio em inglês. Achei sensacional a voz do Paul McCartney. Nunca tinha escutado nada igual. De repente, achei aquele universo novo de música de "gente grande". Mas que não era chata. Senti uma vontade danada de ter nascido em outra época, só para ter feito parte do fenômeno em tempo real. De uma hora para outra, tudo o que falava em Beatles, sobretudo John Lennon, passou a me interessar. Desencavei todos os discos que tinha em casa, que se resumiam ao Abbey Road, Revolver e o Sgt Peppers. Escutei tudo muito atenta. Sgt Peppers era, definitivamente, meu favorito. Na carona veio Paul Simon e, mais adiante, Rolling Stones. Mas os Beatles era tudo de bom.
E aí alguém me deu a tal da fita k7. Era uma coletânea com umas 20 faixas. Eu escutava uma vez atrás da outra, de tal maneira que decorei a seqüência das músicas. Minha mãe tinha um precursor dos toca-fitas portáteis, uma geringonça que era enorme para os padrões atuais, mas cabia na minha mochila. Só não tinha fone de ouvido. Daí não dava para ouvir no ônibus. Mas eu carregava o trambolho comigo e ouvia sempre que podia. Até que me deram um walk man, o avô do iPod. Com os respectivos fones de ouvidos. Escutava a fita dos Beatles non-stop.

(Me recordo de uma amiga da família que costumava chamar os fones de ouvido de "egoistinhas", porque a música ficava egoisticamente com o detentor dos fones. Pergunto-me se a atual parafernália de som de alguns carros não deveria ser chamada de "egoistão", já que obriga o bairro todo a escutar o mesmo barulho, quase sempre medonho)

Quando vi a fita k7 ontem de tarde, senti novamente o sabor da descoberta. Todos aqueles sentimentos de deslumbramento voltaram, como se estivesse a escutar pela primeira vez Yesterday (era a que eu mais gostava, voltava a fita para escutá-lá novamente). Quase um achado arqueológico. Quase. A fita ainda funciona. E há (pasmem!) um toca-fitas no quarto das crianças. Durante uma hora, tive doze anos novamente.

http://www.youtube.com/watch?v=wM0IDLAntVM&feature=youtube_gdata_player

***

Hoje foi dia de visita domiciliar. Dia de subir o morro um quilômetro lomba acima e ficar de língua de fora. Visitamos uma velhinha acamada que mora em um casebre mais ou menos horrorosinho. Possivelmente chove para dentro. É úmido e gelado, além de mal iluminado. Enquanto esperava a verificação dos sinais vitais da senhora, espiei pela janelinha da porta da cozinha. A maloca tem uma das vistas mais maravilhosas que já vi na cidade. Quem diria?

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