sábado, 30 de junho de 2012

Pediatria

Cheguei há pouco do plantão pediátrico. Desde a gravidez da Joana, há quase dois anos, não fazia plantão de pediatria. Hoje, voltei à ativa. Não que a medicina de família não seja atividade, muito antes pelo contrário. Mas sou pediatra por formação e, acredito, vocação. Fui monitora do Departamento de Pediatria durante 4 dos meus 6 anos de faculdade. É o que eu gosto de fazer.
A emergência estava um pouco parecida com Bagdá durante a guerra do Iraque. Ou com a Bósnia há vinte anos. Alguma coisa assim. Trinta e tantas crianças onde caberiam vinte, crianças que chegavam em ritmo frenético. Vi todas as que me competiam, tentando dar alta para alguém, mas não foi possível. Entre as tentativas de alta, estava uma criança que completara um ano há poucos dias. A festinha era hoje. O bebê necessitava de oxigênio, nebulização a cada 2 horas. Seu pulmão estava com a ausculta muito alterada e a radiografia era apavorante. A criança não estava bem. Respirava com dificuldade, mesmo com oxigênio. Parecia um pouco prostrada. Mas o único pensamento dos pais era a festa. O salão alugado, os balões, os doces, o bolo, a bisavó de 96 anos que viera do interior para conhecer a bisneta. Expliquei a eles que poderíamos arranjar para a bisa entrar na emergência e visitar a menina. Mas não poderia dar alta para uma criança tão doente. Tentei argumentar que a saúde e a segurança do bebê vinham em primeiro lugar, que seria arriscado sair do hospital, que ela necessitava de oxigênio. Não teve acordo. Para eles, nada importava mais do que a festa. O salão. O dinheiro que haviam gastado (provavelmente dinheiro que não tinham para gastar). Os parentes do interior. Lá pelo início da tarde, tiraram o cateter de oxigênio, pegaram a menininha no colo e foram embora. Fugiram. Honestamente, espero que tenham o bom senso de retornar, quando a criança estiver exausta e sem conseguir respirar, após toda a agitação da festa. Mas não muito exausta, para dar tempo de ser atendida. Torço que sobreviva ao desmazelo dos pais. Só nos restou acionar o conselho tutelar, não que isso adiante lá para grande coisa.
Já tive uma filha de um ano internada no hospital com pneumonia. Meu único pensamento era vê-la melhorar para poder levá-la para casa. Bem, respirando sem ajuda de aparelhos. Para poder descansar em casa e recuperar-se. Após sua alta hospitalar, lembro-me que ela passou a tarde a explorar seus brinquedos tranquilamente, sentadinha no tapete da sala. Parecia estar matando a saudade do seu cantinho. Não a levei a um salão barulhento em uma roupa desconfortável e cheia de gente estranha que não a conheciam direito. Levei-a para sua zona de conforto.
Meus outros dois casos marcantes foram dois bebês de menos de um mês, filhos de presidiárias. Bebezinhos fofos, bem cuidados e bem nutridos ao seio materno. Ambos com problema respiratório. Um já estava internado, outro internei durante o plantão. As lágrimas corriam dos olhos da mãe, algemada a segurar a criança. Dentro do consultório, a agente que a acompanhava retirou as algemas. Estes bebês moram com as mães no presídio. Mamam no peito e gozam da companhia das mães. E isto é o mais importante. Mas a agente penitenciária me contou que há infestação por insetos e muita umidade nas celas. Mesmo aquelas onde ficam os bebês. Além disso, muitas detentas fumam. Mesmo que não seja na mesma cela, há um cheiro perene de cigarro por todas as áreas. (A fumaça do cigarro, os bacilos da tuberculose, os vírus e as bactérias que habitam locais densamente povoados não tem a boa educação de respeitar o perímetro do bercinho onde dorme o bebê).
As detentas não podem ficar no hospital enquanto os bebês estão internados. Elas têm direito de visitá-los diariamente e de ordenhar leite materno, tanto no presídio como no banco de leite do hospital. Mas as crianças ficam com outro familiar (pai ou avós). Quando não há familiares, voluntárias da pastoral carcerária acompanham os pequenos.
Também torço para que aquelas mães não tenham feito nada tão grave que necessitem um período muito longo na prisão. Tomara que saiam logo e possam levar suas crianças para casa. Lugar de nenê é com a mãe. Mas lugar de nenê não é na prisão. Mundo cão.
E mesmo assim, adoro ser pediatra.

Um comentário:

  1. fiquei indignada com esses pais q retiraram a filha do hospital por causa da festa.

    aff***

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