domingo, 30 de outubro de 2011

Pracinha

A pracinha é uma instituição da infância. Teses de doutorado foram escritas sobre pracinhas, crianças e suas interações. Quando estava na faculdade, passávamos tardes na pracinha perto do HCPA observando criancinhas, seus pais e tomando notas em uma cadeira da psiquiatria chamada Desenvolvimento da Criança e do Adolescente.  Fazíamos uma monografia sobre o assunto, misturando Piaget, Montessori, com pitadas de Winnicot e, lógico muito Freud pra dar liga.
Pois hoje, fomos na pracinha aqui de Roque Gonzales, a Luísa e eu. Fomos caminhando algumas quadras, munidas de água e alguns biscoitos. Balanços, escorregadores, uma casinha daquelas de subir, gangorras (eles chamam de bate-bunda aqui, achei genial), gira-gira... E a caixa de areia. A Luísa não quis o balanço porque só tinha aqueles de criança maior, ficou insegura. Examinou os escorregadores, pensou em subir na casinha e decidiu-se pela caixa de areia. Pra quem não conhece, Luísa, com 2 anos e 4 meses, é muito limpinha. Pede para limpar a mão, ou qualquer outra parte suja do corpo, o tempo todo. Antes de deixar seu pai pegá-la no colo, se acha que ele está suado, pergunta, encostando a ponta do dedinho indicador na sua camiseta:
            - Tu tá limpinho?
Não gosta que a areia grude no pé. Mas ela estava de chinelinho e a sujeira parecia inevitável. Havia outras crianças um pouquinho mais velhas que ela. Ela escondida nas minhas pernas, olhando tudo muito desconfiada. De repente, tomei uma decisão radical: Fui sentar debaixo da árvore com minha cunhada e sua irmã, que tinham trazido um gurizinho de 3 anos e meio. Mostrei onde estaria sentada e fui. Ela achou bom, ficou sentadinha na mureta da caixa de areia (as outras crianças forradas de areia e sentadas bem no meio) brincando de desenhar na areia com um galhinho de árvore (sujar as mãozinhas direto na areia? que esperança...)
Aí apareceu um cachorro (ela adora bichos, desde que na televisão ou desenhados em algum livro) Pânico. Uma garotinha banguela de uns 6 anos percebeu a situação e tocou o au-au pra fora:
                -Pronto, nenê, o au-au já foi, não precisa ter medo – disse ela, com ares de “tia” de creche.
                Choro, um olhar para mim que parecia dizer “mãe, me salva”. Quase levantei. Mas fiquei firme na paçoca. Segundos depois, voltara a brincar alegremente. Outro cãozinho apareceu e a cena se repetiu. Após, uma pequena crise sobre se deveriam construir uma montanha ou cavar um buraco (aparentemente, as duas opções juntas eram incompatíveis...)  Eu, sentada, me fazendo de desencanada, tomando um chimarrão. Luísa interessada em desenhar e brincar com seu graveto. Agressões físicas pareciam iminentes. Me levantei, assim como a mãe do de 3 anos. Apaziguamos os ânimos. Quando levantei para sentar de novo com as mães, ela pergunta:
                -Pode sujar o dedo?
                - Claro, querida, pode se sujar.
                - Depois a gente limpa?
                - Sim, Lulu, depois a gente limpa tudo.
                - Pode sujar o pé? Pode suja a roupa?
                - Pode se sujar inteira! Brinca, filhinha, pode brincar.
                Meu maior sonho é a Luísa besuntada de terra da cabeça aos pés, sem dar bola pra nada. As outras mães me preveniram:
                - Isso é terra vermelha, não sai direito da roupinha, depois fica manchado.
                Agradeci a preocupação, mas pensei comigo que a roupinha que se dane! Eu quero que ela seja mais desencanada, mais sujinha, com menos medo dos bichos.
                E acho que ela saiu da pracinha assim: mais feliz, tranquila e com menos pânico de cachorro. E a mamãe saiu mais relaxada e confiante na habilidade da sua filhinha e das outras crianças de se virar e de cuidar uns dos outros. Acho que vou começar a ler aquelas teses de doutorado...

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