quinta-feira, 19 de abril de 2012

Luísa gosta muito de livros. Ela escolhe, todas as noites, qual livro leremos na hora de dormir. Dia desses, escolheu o João Felpudo. O João Felpudo era um livro que tinha na casa dos meus avós. Edição de capa dura, antiga, tradução do Olavo Bilac. Não me lembrava propriamente do texto, confesso. Na última Feira do Livro, dei de cara com ele. Edição nova, outra tradução, sem capa dura. Tudo bem, era o João Felpudo que eu lembrava da infância, a mesma capa.
Havia lido um pedaço na época da compra, há cerca de 6 meses. Muito cômico, mas tudo apavorantemente trágico. Crianças levadas que sofrem acidentes horríveis e viram cinzas. Algo no estilo de Juca e Chico. Mesmo assim, Luísa adorou. Tenho cá minhas dúvidas se entendeu grande coisa, mas gostou dos versinhos. Repetiu um ou outro e, em alguns trechos dizia:
- De novo - enquanto divertia-se com as figuras.
O João Felpudo é um livro muito interessante para mim porque foi escrito de pai para filho. O autor, Heinrich Hoffmann, um alemão que viveu no século XIX, escreveu-o para seu filho de três anos. Ele procurava um livro para dar ao menino no Natal de 1844. Não encontrando nada apropriado na livraria local, comprou um bloco em branco e escreveu e ilustrou um livro. Os amigos e parentes gostaram tanto que ele acabou publicando. O mais interessante (para mim) é que Heirich Hoffmann era médico. Trabalhava em um manicômio, mas também atendia doentes em casa, como qualquer médico daquela época. Tinha o hábito de desenhar e contar histórias para distrair os pequenos pacientes pediátricos, para que não chorassem durante o exame.
Hoje, enquanto escolhia o presente de aniversário de uma amiga da Luísa na livraria do bairro, ocorreu-me que toda essa exuberância de livros infantis é muito boa, mas nos tolhe a imaginação. Há livros com teclado de piano, livros que apitam quando apertados, livros de banho para bebês, livros para o banho, livros sobre o banho. Há os que tocam música, os que imitam bichos, os que viram fantoches. Há até mesmo livros com texto e figuras, impressos em papel. Não há o que não haja. Por outro lado, quantos pais em 1844 (ou em 2012) tinham o talento e a disposição para escrever e ilustrar um livro para seu filho? E quantas crianças hoje, no mundo inteiro, têm acesso a livros lindos e instigantes, que estimulam seus pequenos cérebros em desenvolvimento?
Fico com o presente e o futuro. O passado é idílico mas, ao fim e ao cabo, o mundo gira e parece melhor hoje do que em vidas passadas, ao menos no Brasil. Menos crianças morrem com menos de 5 anos, os velhos vivem mais, mesmo quando são pobres e há muito mais crianças na escola do que em qualquer época anterior. A escola é muitas vezes ruim, os velhos muitas vezes sofrem, e a violência é assustadora. Há litros de coisas a serem feitas. Mas ainda prefiro 2012. Posso ler o João Felpudo e todos os livros que vieram depois. Temos acesso a 1844, 1912 e 2012. E tudo o que veio antes e no meio. Não é genial?

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