Já fui bem revolucionária no passado. Hoje, com mais de 30 anos, estou em casa, guardada por Deus contando o vil metal. Meu grande objetivo é pagar minhas contas em dia e alimentar as crianças. Tenho muitas convicções, acredito que o meu trabalho tem um impacto na vida dos meus pacientes. Ainda sou idealista. Faço questão de votar em todas as eleições e nunca anulei um voto. Não sou partidária desta teoria que "político é tudo igual". Acho simplista e equivocado. Todos somos políticos, querendo ou não. O problema não são os políticos. O problema somos todos nós, cidadãos brasileiros, quando passamos no sinal vermelho, furamos a fila do circo ou quase atropelamos alguém em cima da faixa de segurança. Acredito que o meu lugar é no Brasil, e não em qualquer outro lugar do mundo. Acredito na minha dívida para com o povo brasileiro, que pagou minha faculdade de medicina, pública, gratuita e de qualidade (como foi repetido à exaustão no dia da formatura).
Todo esse arroubo ideológico para justificar minha falta de ideologia na história do Imesf. Honestamente, vou continuar a trabalhar e a atender do mesmo jeito, com Imesf ou IC. Meu salário vai continuar a ser pago (espero), de uma maneira ou de outra, desde que eu passe no tal do concurso.
Mas eu iniciei esta postagem para falar da prova. Provinha chata, feita por quem pouco sabe sobre atenção primária em saúde. A sensação geral de quem saiu no final da prova foi de desânimo e desapontamento com as questões. Havia, no caso dos médicos, 278 inscritos para as 140 vagas oferecidas. Na minha sala, dos 25 candidatos, 11 não compareceram. Imagino que nas outras fosse semelhante. Ou seja, não sabemos se haverá número suficiente de médicos aprovados em concurso para preencher todas as vagas.
Dispúnhamos de quatro horas para realizar as 70 questões. E só poderíamos levar os cadernos de prova transcorridas três horas e meia do início da prova. E não podia anotar as respostas em qualquer outro lugar. Visto que boa parte da prova (Língua Portuguesa e Legislação) será igual para os outros cargos, que a farão na semana que vem, queria levar as questões para os colegas do posto verem-na e auxiliá-los em seus estudos (a competição pelos outros cargos não médicos parece ser bem mais acirrada, com milhares de inscritos para as mesmas 140 vagas, ou menos). Terminei a prova antes do meio-dia (começara às nove e meia). Tinha que esperar mais de uma hora. O que fazer? Tente cantar músicas mentalmente, mas estava quase a cantarolar em voz alta. Não ia fazer muito sucesso entre os colegas. Resolvi escrever. De repente, não sei por que, comecei a escrever atrás da prova os versos de I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias. Há muitos e muitos anos, já soube quase toda de cor. Escrevi compulsivamente, quase doentiamente, o Primeiro Canto. Só esqueci de uma estrofe. Depois, o Segundo Canto, que sabia inteiro. O Terceiro, nunca memorizei. O Quarto, o Canto de Morte, foi o primeiro que aprendi. É meu trecho predileto. Se valesse para o concurso, faria uma boa pontuação.
"Meu canto de morteGuerreiros ouviSou filho das selvasNas selvas cresciGuerriros descendoDa tribo TupiDa tribo pujanteQue agora anda errantePor fado inconstanteGuerreiros nasciSou bravo, sou forteSou filho do NorteMeu canto de morteGuerreiro ouvi"
- Se não fizeres o que eu quero, declamo I-Juca Pirama!
Por alguma razão, poesia romântica indianista não conta com muitos adeptos hoje em dia. Sempre gostei. No final, como faltavam 20 minutos para poder sair e já tendo terminado de transcrever todos os trechos memorizados do Gonçalves Dias, escrevi a Língua Portuguesa, do Olavo Brás Martins dos Guimaraens Bilac, poeta parnasiano genial, cujo nome é um verso alexandrino.
Última flor do Lácio, inculta e bela
És a um tempo esplendor e sepultura
Ouro nativo que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela
Amo-te assim, desconhecida e obscura
Tuba de alto clangor, lira singela
Tens o tron e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura
Amo teu viço agreste e teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo
Amo-te, ó rude e doloroso idioma
Em que na voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e amor sem brilho
Ah, se decorar poesia pagasse as minhas contas...
Se sobrasse tempo poderias escrever (com o beneplácido do Raimundo Correa) sobre as pombas, aquela primeira, despertada e outra mais, mais outras, enfim dezenas de pombas que vão-se dos pombais, apenas raia, sanguínea e fresca a madrugada....
ResponderExcluirEssas poesias são úteis para esses jogos de palavras cruzadas de tabuleiro em que a gente precisa usar todas as letras. Clangor, tron e procela, por exemplo. Os adversários vão correndo buscar o dicionário.
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