sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Tristeza

Hoje estou meio tristonha. Não consegui blindar minha alma para as mazelas que atendi. Vindo para Osório, chorei na estrada. Meio perigoso, chorar na estrada, mas não pude evitar.
Chorei pelo menino de 2 meses que nasceu prematuro, pesando 1,2kg e, após 35 dias na UTI neonatal, foi levado pela mãe para visitar o pai na Penitenciária Estadual do Jacuí, em Charqueadas. Mãe essa que fumara 30 cigarros por dia durante a gravidez, além de consumir uma quantidade razoável de cerveja. Para ela, apesar de todos os apelos feitos pela equipe do posto de saúde, o mais importante é agradar o companheiro, preso por assassinato.
Chorei pelo garoto de 16 anos que começou a ter visões e escutar vozes aos 6 anos, quando testemunhou uma série de assassinatos no bairro da periferia de Curitiba, onde morava com a mãe e o padrasto. Menino que gosta de trabalhar, mas desiludiu-se com os estudos. Chorei por sua mãe, que queria que ele fosse engenheiro, mas está orgulhosa do trabalho de auxiliar de pedreiro que ele conseguiu. E que também chorou na consulta ao me contar sobre seus sonhos para o futuro do filho.
Chorei pela ex-companheira de um outro presidiário da mesma Penitenciária Estadual do Jacuí, que teve a "visita" dos amigos em liberdade do ex-companheiro, a ameaçá-la com revólveres porque ela não quer mais prestar-lhe favores sexuais e levar o filho de 2 anos para visitá-lo em Charqueadas.
E chorei também pelo morador de rua que foi três vezes na mesma tarde no posto pedir a mesma coisa (que já tinha sido pedida ontem), porque provavelmente estava bêbado demais para lembrar que já tinha ido no posto com aquela demanda. E, finalmente, pela funcionária que explicou com a mesma calma e paciência que o problema já havia sido encaminhado, como se conversasse com alguém lúcido e que raciocinava, esquecendo-se do hálito alcoólico e do cheiro de muitos dias de verão sem banho do usuário. Tratou-o com respeito.
Atendo a tragédias como essas quase diariamente. Mas, por qualquer razão, hoje elas me afetaram. Quase nunca compartilho essa rotina, porque acho que a maioria das pessoas não foi treinada para lidar com a miséria humana como médicos de família e pediatras são. Mas hoje eu precisei compartilhar e, assim, tirar toda essa tristeza de cima de mim. Obrigada por me ouvirem.
E à demain, que eu sigo em frente.

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