sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Grotrian-Steinweg

Estou em férias. E em Porto Alegre. Assim, me permito alguns prazeres pequeno-burgueses. Como ir ao centro andando no meio da manhã. Fui até uma loja na Alberto Bins para mandar consertar um aparelho estragado. Uma viagem no tempo, isso de andar até o centro e mandar consertar algo. Ninguém mais conserta nada, muito menos no centro, depois do advento da China industrializada. Mas o caso é que o tal aparelho custaria mais de duzentos reais, e o conserto vai sair por trinta e cinco. No caminho, uns aposentados que jogavam dominó num boteco confirmavam a volta ao passado. Escuto Cartola e Lupicínio enquanto escrevo, pra dar o clima.
Além disso, em outra viagem no tempo, recebi uma pequena relíquia. Acharam, no meio dos papéis do vô, a nota de compra do piano, datada de 16 de dezembro de 1953, atestando que ele pagou cinquenta mil cruzeiros, com garantia de cinco anos. Também tinha um papel com recomendações de limpeza e conservação do instrumento. Não sei o quanto disso foi cumprido nos últimos 59 anos, mas o piano parece em bom estado. Não está muito afinado, mas recebi a recomendação de esperar 6 meses para afiná-lo, pois precisa se adaptar à nova sala.
Em 1953, o piano, novo, foi para uma casa com um casal e cinco crianças, a mais velha com 12 anos recém feitos, a mais moça com 4. Fiquei, à noite, a imaginar o evento da chegada do piano naquele mês de dezembro, a euforia da criançada e, sobretudo, do pai das crianças, que sempre amou aquele piano como um membro vivo da família. Se alguma das "crianças" se lembra do evento, memórias daquele dia (ou daquela época) são muito bem-vindas. Me parece que o piano foi dado em pagamento de honorários advocatícios, todo ou parte dele. Entramos em uma página da internet que calcula valores antigos em moeda de hoje. Há uma discrepância, dependendo do critério de correção. Pela inflação oficial da época, 50 mil cruzeiros equivalem a cerca de nove mil reais hoje. Mas pelo salário mínimo dá uns 25.000. Em qualquer um dos casos, para uma família com cinco filhos em que apenas o pai trabalhava fora, é uma quantia considerável de dinheiro. Considerando-se que não se parcelavam compras naquela época, e que possivelmente 4 dos 5 filhos estavam em escola particular, deve ter sido um certo rombo no orçamento doméstico. Mas não tenho dúvida que valeu cada centavo, depois de 59 anos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário