- Claro, está na minha carteira - respondi calmamente, enquanto um arrepio me passava pela espinha. É óbvio que eu tinha esquecido da certidão de nascimento dela.
Já sentada na poltrona, procurei a certidão da Joana, mas encontrei a da Luísa. No tempo em que eu só tinha uma filha e era 50% menos louca, eu carregava uma certidão de nascimento da minha (então) única filha na carteira para qualquer eventualidade. Comecei a imaginar o que faria se alguém me pedisse para ver o documento. Eu iria mostrar a certidão da Luísa, dois anos mais velha que o bebê de 6 meses que eu tinha nos braços:
- É que cuidamos dela como um bonsai, fica menorzinha, mais prático de carregar - diria para o policial que questionasse porque minha filha de dois anos pesa 7 kg e não sabe falar.
É lógico que ninguém pediu coisa nenhuma, e carreguei meu bebê clandestinamente até Osório impunemente.
No ônibus, sentou ao meu lado uma moça que, pelo sotaque, viera do interior para pegar o ônibus para a praia, e estava horrorizada. Tinha nojo até de sentar. Eu também, pra falar bem a verdade, mas não tinha muita escolha. Tentei evitar que a Joana encostasse no que quer que fosse que não fosse eu. E aí a geringonça começou a andar. Fiquei com pena de quem iria até Torres, chegando acho que lá pela 1h da manhã. Me lembrei daquela música da Maria-Fumaça:
"(...)Esse expresso vai a trote, mais parece um pangaréE a viagem foi melhor do que eu imaginei. Saindo de Porto Alegre, o vento começou a ficar fresco, e quase passei frio. Fazia tempo que eu não andava com vento direto no rosto, sentindo os cheiros da estrada. É verdade que fumaça de óleo diesel queimado não é muito bom, sobretudo para o bebê, mas também senti cheiro de capim e de campo. Uma experiência quase nostálgica da infância, quando ar-condicionado no carro era privilégio de milionários, e íamos pela free-way engarrafada com o vento, o barulho, o cheiro e tudo o mais. E era uma delícia a promessa de um fim-de-semana de liberdade e diversão. Ar-condicionado é um conforto maravilhoso da vida moderna, mas às vezes isola um pouco do mundo real, onde faz calor e tem barulho e vento no rosto.
Essa carroça é um jaboti com chaminé
Eu tenho pena de quem segue prá Bagé
Seu cobrador cadê meu troco? Por favor!...
E dá-lhe apito e manivela, passa sebo nas canelas
Seu maquinista, eu vou tirar meu pai da forca
Por que não joga esse museu no ferro velho
E compra logo um trem moderno japonês (...)"
Talvez a filosofia toda tenha sido uma mera maneira de sublimar a falta de conforto na viagem, mas funcionou. Cheguei em Osório tranquila, Joaninha dormindo no canguru, aconchegada no meu peito. Dormiu muito melhor do que as últimas noites.
Agora estou de volta no Portinho, Joana junto, claro, pois ainda mama muito no peito. Amanhã trabalho e volto para Osório, meu pedacinho de paraíso, com lagoa, árvores e vento fresco. E, principalmente, a família reunida novamente.
Amei este texto! Maravilha! Beijo
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