quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Pinga-pinga

Ontem, véspera de feriadão, decidimos mudar a ida para Osório. Em vez de irmos de carro após eu sair do trabalho, com a estrada bombando, o marido foi com a Luísa de tarde, e eu fui com a Joana de ônibus às oito horas. Achei uma boa ideia, é estressante sair do trabalho e cair direto na estrada. Ele deixou a passagem comprada. Cheguei do trabalho, busquei a Joana na creche, dei banho nela, amamentei e, calmamente, peguei um táxi para a rodoviária. Achei que ia ser cheio, mas tranquilo. Imaginei o zumbido do ar-condicionado, todo mundo na boa, indo para a praia, eu dormindo na poltrona com a Joaninha no colo. Um pouquinho otimista, a minha visão. Cheguei na rodoviária uns 20 minutos antes, achei o box 27, de onde saía o pinga da praia. Sim, porque a passagem que ele comprou foi Porto Alegre-Torres via interpraias. O famoso pinga-pinga, que para em Osório e em todas as mais minúsculas praias até chegar em Torres. Mas até Osório é diretão, via free-way. A visão do inferno de Dante, a rodoviária, lógico, uma tigrada fumando, fedendo, e eu tentando proteger o nenê. Um calor duns 35 graus, mormacento e abafado, úmido como só Porto Alegre sabe ser, no auge da glória do verão. E a Joana grudada em mim, naquele canguru, que eu achei mais seguro, dada a falta de cinto de segurança no ônibus e a psicose da maioria dos motoristas. Pobre anjo suava, mas ria para todo mundo. Finalmente, estacionou uma rodonave novinha em folha, vidros inteiros e enormes, no box 26, Porto Alegre-Osório direto às 20 horas. Mas o meu box não era o 26. E o meu ônibus não era Porto Alegre-Osório. O meu era o 27 onde, segundos depois, estacionou uma carroça motorizada, com todos os vidros escancarados, o que anunciava a ausência do ar-condicionado. Porto Alegre-Torres via interpraias. O pinga da praia. Tentei argumentar com o motorista que, visto que eu só ia até Osório, seria mais conveniente pegar o bonitão do box 26, mas não teve acordo. Suspirei, entramos todos na carroça fedida e caindo os pedaços. E o motorista perguntou se eu tinha documento da pequena.
- Claro, está na minha carteira - respondi calmamente, enquanto um arrepio me passava pela espinha. É óbvio que eu tinha esquecido da certidão de nascimento dela.
Já sentada na poltrona, procurei a certidão da Joana, mas encontrei a da Luísa. No tempo em que eu só tinha uma filha e era 50% menos louca, eu carregava uma certidão de nascimento da minha (então) única filha na carteira para qualquer eventualidade. Comecei a imaginar o que faria se alguém me pedisse para ver o documento. Eu iria mostrar a certidão da Luísa, dois anos mais velha que o bebê de 6 meses que eu tinha nos braços:
- É que cuidamos dela como um bonsai, fica menorzinha, mais prático de carregar - diria para o policial que questionasse porque minha filha de dois anos pesa 7 kg e não sabe falar.
É lógico que ninguém pediu coisa nenhuma, e carreguei meu bebê clandestinamente até Osório impunemente.
No ônibus, sentou ao meu lado uma moça que, pelo sotaque, viera do interior para pegar o ônibus para a praia, e estava horrorizada. Tinha nojo até de sentar. Eu também, pra falar bem a verdade, mas não tinha muita escolha. Tentei evitar que a Joana encostasse no que quer que fosse que não fosse eu. E aí a geringonça começou a andar. Fiquei com pena de quem iria até Torres, chegando acho que lá pela 1h da manhã. Me lembrei daquela música da Maria-Fumaça:
"(...)Esse expresso vai a trote, mais parece um pangaré
Essa carroça é um jaboti com chaminé
Eu tenho pena de quem segue prá Bagé
Seu cobrador cadê meu troco? Por favor!...

E dá-lhe apito e manivela, passa sebo nas canelas
Seu maquinista, eu vou tirar meu pai da forca
Por que não joga esse museu no ferro velho
E compra logo um trem moderno japonês (...)"
E a viagem foi melhor do que eu imaginei. Saindo de Porto Alegre, o vento começou a ficar fresco, e quase passei frio. Fazia tempo que eu não andava com vento direto no rosto, sentindo os cheiros da estrada. É verdade que fumaça de óleo diesel queimado não é muito bom, sobretudo para o bebê, mas também senti cheiro de capim e de campo. Uma experiência quase nostálgica da infância, quando ar-condicionado no carro era privilégio de milionários, e íamos pela free-way engarrafada com o vento, o barulho, o cheiro e tudo o mais. E era uma delícia a promessa de um fim-de-semana de liberdade e diversão. Ar-condicionado é um conforto maravilhoso da vida moderna, mas às vezes isola um pouco do mundo real, onde faz calor e tem barulho e vento no rosto.
Talvez a filosofia toda tenha sido uma mera maneira de sublimar a falta de conforto na viagem, mas funcionou. Cheguei em Osório tranquila, Joaninha dormindo no canguru, aconchegada no meu peito. Dormiu muito melhor do que as últimas noites.
Agora estou de volta no Portinho, Joana junto, claro, pois ainda mama muito no peito. Amanhã trabalho e volto para Osório, meu pedacinho de paraíso, com lagoa, árvores e vento fresco. E, principalmente, a família reunida novamente.

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