terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Palavras mal-cheirosas


           Na casa da Wó não se dizia nome feio. Só em alemão. Impronunciáveis. E se em algum almoço de domingo alguém se entusiasmava e soltava algum, no meio de uma discussão acalorada, a Wó logo dizia:
-Ué, ué, ué... Vamos parar com as palavras mal-cheirosas. Isso não se diz na mesa! Ué, gente!
O vô só dizia as iniciais, mesmo assim, em algum contexto, contando uma história:
- E então o fulano respondeu: “vai-te à ‘m’!”
Às vezes, ele também mencionava “as quatro letras”. Normalmente, seguia-se uma explicação sobre como aquelas tais quatro letras eram uma abreviatura de uma palavra mais comprida, a profissão da Madalena, que estava na Bíblia. Dizia baixinho, num cochicho:
- Prostituta...
Na casa do meu pai, palavrões eram bem tolerados. Não se dizia assim por dizer, mas dentro de um contexto. Não costumava ter o objetivo de ofender ninguém. Era num clima mais relaxado. Se escapava algum, tudo bem. Para o desespero da vó Mila:
- Maaas - dizia ela, segurando o queixo com a mão.
Normalmente era quando ela presenciava uma conversa ao telefone do meu pai com seu irmão:
- E aí, seu filho da puta, há quanto tempo? Vai-te à merda então, seu imbecil...
Mas era tudo brincadeira, ao menos era o que eu achava.
O pai também tinha umas musiquinhas legais, como aquela do Espalha Merda:
               
“Chamaram meu boi de espalha merda
                A turma lá de casa bronqueou
                Até minha mulher não gostou
                Espalha merda é o cu da mãe de quem chamou.

                “Quando o meu boi entrou no picadeiro
                A turma lá de trás gritou:
                - Espalha merda!
                Isso não se faz, aonde que se viu?
                Espalha merda é a puta que o pariu!”

Meio chula, mas legal. Era quase uma catarse, todos aqueles nomes sendo ditos alegre e confiantemente pelo adulto responsável da casa. Até hoje me lembro de rolar de rir ao ouvi-lo cantar o Espalha Merda... Ele cantava com uma fisionomia séria, como quem canta uma marcha militar ou um hino pátrio.
A quem não o conheceu, o meu pai, é preciso dizer que seu gosto musical era, na verdade, extremamente refinado, além de muito eclético. Acho que a definição é de que gostava de boa música, não importava o estilo. Adorava um bom samba, gostava de jazz, ouvia música erudita e marchas militares. Havia tocado clarinete, quando garoto em Santa Maria, na banda do colégio. E...  gostava dessas músicas do “chinaredo”.

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