sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Saúde Mental

Hoje, sexta-feira, é dia de atendimento em saúde mental no posto. Os dois médicos atendem pacientes com problemas da alma ou do pensamento. A maioria com transtornos psiquiátricos em uso de psicofármacos. A velha história do copo meio cheio ou meio vazio. A agenda de saúde mental atende pessoas com doença mental. Hoje tinha tudo, menos saúde mental dentro do posto. Começava na sala de espera: um conversando com o amigo imaginário, uma gorda senhora de cabelos desgranhados a olhar para o vazio, enquando a acompanhante fazia crochet. Um senhor que, mudo, balançava-se para frente e para trás. Outra dormia encostada em uma parede.
É muito difícil o atendimento psiquiátrico pelo SUS. Obviamente, não é um negócio muito lucrativo atender psiquiatria no serviço público. Em algum hospital escola até tem algum glamour, mas no posto da esquina ninguém quer. A prevalência estimada de doença mental na comunidade em que eu atendo é de cerca de 20 a 25%. O que gera uma população de cerca de 3.500 pessoas. Muitas delas, provavelmente medicadas. E as receitas de psicofármacos devem ser renovadas mensalmente. Fora tudo o que temos para atender diariamente, ainda existem as tais das receitas.
Mas este não é o problema. O problema é que não somos psiquiatras. Uma coisa é uma senhora de meia idade com uma crise vital, que precisa de um par de orelhas e reforço positivo. Outra bem diferente são todos os esquizofrênicos graves, que enxergam coisas e ouvem vozes que não estão lá. Todos os pacientes com transtorno bipolar, que enlouquecem a si e às suas famílias. Todos os drogaditos que querem e não conseguem parar. Todos os que não respondem bem aos remédios antipsicóticos disponíveis na rede pública (mais ou menos o que se usava em 1950).
E todas aquelas coisas legais que a gente vê no site do Ministério da Saúde, como os NASF (núcleos de apoio à saúde da família) e os CAPS (centros de atenção psicossocial) são ficção científica na zona leste de Porto Alegre. Todo o apoio que temos é de uma equipe de psicólogos e um psiquiatra do município que vão ao posto de vez em quando conversar sobre os casos mais graves e, talvez, fazer algum encaminhamento para a (escassa) rede de atendimento psiquiátrico ambulatorial da cidade. Fazem isso com competência e boa vontade, mas não são santos milagreiros. Em casos de surtos graves, mandamos para o Postão da Cruzeiro, a única emergência psiquiátrica pública da cidade.
E eu acabo todas as sextas-feiras com um pouco menos saúde mental do que na semana anterior. E com muito menos fé no gestor da saúde pública da cidade de Porto Alegre.
Desculpem o desabafo. E à demain, que eu sigo em frente.

2 comentários:

  1. Não é desabafo, é a pura verdade. Que seja dita por um profissional da saúde, porque reclamação de paciente ninguém leva à sério. Abraços.

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  2. É triste, mas de médico também não levam muito a sério.

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