***
Falando em rituais, crianças pequenas frequentemente têm a necessidade de rituais. Acho que tudo é bastante complexo para uma criancinha analfabeta e que ainda não domina os códigos dos adultos. Luísa tem seu ritual de dormir. Ele deve ser feito exatamente na ordem correta para que a noite transcorra calmamente. Ela até tolera alterações, desde que exaustivamente explicadas e planejadas. Normalmente, porém, nós chegamos da creche e brincamos um pouco. Depois é hora do banho, com alguns protestos, e de tomar café com o papai e com a mamãe. Ela, durante o café, precisa comer um pedacinho de pão com cada uma das opções oferecidas na mesa: manteiga, requeijão, patê, schmier de morango e Mumu (quer dizer "doce de leite" em portoalegrês). Se falta algum, ela logo abre o bico:
- Eu ainda não comi com requeijão.
E não tente convencê-la de que já comeu com manteiga e patê, que é suficiente. Tampouco adianta argumentar que já comeu o pão com doce em cima. Ela não se importa de voltar ao salgado. O importante é comer um de cada.
Depois do café, escova os dentes, faz xixi, dá boa noite e vai para a cama. Aí começa o ritual da cama. Lemos uma história do livro, depois eu conto uma história sem livro, da minha cabeça, preferencialmente com alguma música, rezamos o Santo Anjo e ela, finalmente, vai dormir. E também temos que acender as estrelinhas, que são luzinhas em forma de céu estrelado projetadas no teto do quarto. Às vezes me pergunto se não estou criando uma criança muito cheia de nove horas. Mas então me lembro que ela só tem dois anos. E que o mundo é realmente complicado. E que tem muito pouca coisa que ela controla. Se controlar a disposição dos bonecos na sua própria cama ou a ordem das histórias de dormir a deixa segura, pois então que seja.
Quisera eu que o ritual funcionasse tão bem para os deuses do computador do posto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário